Narrativas cinematográficas sobre a Amazônia: vozes, modos e ênfases retóricas em documentários contemporâneos do estado do Pará



Uriel Nascimentos Santos Pinho [!]

Regina Lúcia Alves de Lima [!]


Resumo

Este artigo apresenta resultados de pesquisa que objetivou reunir referências conceituais do campo dos estudos sobre audiovisual documentário, colocando-as em tensionamento com produções audiovisuais contemporâneas do estado do Pará, região amazônica, norte do Brasil. As principais atividades desenvolvidas foram a pesquisa bibliográfica e a análise fílmica de documentários selecionados. Como principais referências bibliográficas sobre o documentário, consideramos Nichols (1991; 2012), Ramos (2008; 2012) e Bizarria (2008). Foram catalogados 26 documentários em curta- metragem exibidos em mostras e festivais de audiovisual do estado do Pará, realizados entre 2010 e 2013, dos quais 14 estavam disponíveis online na íntegra e puderam ser objeto de análise. Operacionalizamos ainda os conceitos de “voz” e “modos” (NICHOLS, 1991; 2012) para perceber que os documentários catalogados são marcados pela hibridez, apesar de apresentarem traços mais frequentes do que Nichols chama de “modo expositivo” e traços tímidos do que o autor define como o “modo reflexivo” no documentário. Coletivamente, notamos ainda dois eixos retóricos predominantes nas produções, que chamamos de “Visões sobre a cultura popular: meio rural e cultura ribeirinha em destaque” e “Ambiente urbano: grupos marginalizados e novas visões sobre o conhecido”.

Palavra-chave: Teoria do Documentário; Cinema Paraense; Amazônia.




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Abstract

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Keywords: XXXXXXXXXXXXXXXX




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Narrativas cinematográficas sobre a Amazônia: vozes, modos e ênfases retóricas em documentários contemporâneos do estado do Pará



Uriel Nascimentos Santos Pinho [!]

Regina Lúcia Alves de Lima [!]

Introdução

Além de retratar e lidar com atores sociais da realidade histórica, o documentário desempenhou e desempenha papel argumentativo decisivo em projetos de intervenção na realidade. Inclusive na realidade amazônica (BIZARRIA, 2008). Por conta da crença de que o documentário pode alcançar uma “verdade universal”, baseada na coincidência de suas imagens com a realidade histórica (BIZARRIA, 2008, p. 14), vários documentaristas ao longo da história exerceram a posição de oradores de projetos de nação/identidade e de propostas de ação sobre a realidade, conforme pode ser observado durante as precursoras cinematografias soviética, da década de 1920; e britânica, da década de 1930 (NICHOLS, 2012, p. 133-134), assim como em iniciativas governamentais e privadas de registro da Amazônia ao longo de todo o século XX (SANJAD e CASTRO, 2015; BIZARRIA, 2008; COSTA, 2006; OLIVEIRA, 2004).

Apesar desses impactos sociais e efeitos culturais mais amplos, é importante lembrar que os significantes nos filmes são imagens e sons sempre concretos e específicos (NICHOLS, 1991, p.xii). O que quer que os filmes tenham a dizer sobre a condição humana ou sobre questões do cotidiano nunca pode ser separado de como eles dizem isso, de como o que eles dizem nos comove e afeta, como nos envolvemos com uma obra, não com uma teoria da obra. (NICHOLS, 1991, p. xiii). Qualquer iniciativa de pesquisa que procure relacionar uma dada produção audiovisual, no nosso caso, a documentária, as dinâmicas mais amplas de ordem teórica ou sociocultural deve levar isto em consideração. Este artigo, portanto, procura ver e ouvir o que os documentários do estado do Pará têm a dizer sobre os esforços conceituais de autores como Nichols (1991, 2012) e Ramos (2008, 2012). Esses autores realizam trabalho de definição do audiovisual documentário, procuram responder “o que é” o documentário e propor maneira de analisá-lo em sua concretude audiovisual de maneira individual e também coletiva, a partir da noção de que o documentário é um gênero flexível mas que compõe uma tradição e um percurso do qual fazem parte filmes, instituições, profissionais e expectativas do público em relação a representações da realidade histórica.

Assim, esse artigo começa por resumir as principais definições de Nichols e Ramos sobre o filme documentário, descreve os conceitos de voz e modos desenvolvidos por Nichols e procura utilizá-los como referência, observando também elementos narrativos como local e personagens, para analisar documentários do estado do Pará. Ao final dessa análise, é possível observar coletivamente, mas baseado nas “vozes” individuais dos documentários analisados, “pertencimentos retóricos” ou preferências narrativas, focados em dois eixos temáticos principais que denominamos “Visões sobre a cultura popular: meio rural e cultura ribeirinha em destaque” “Ambiente urbano: grupos marginalizados e novas visões sobre o conhecido”. Por questões de espaço, apenas o primeiro eixo será detalhado neste trabalho.

Documentário, vozes e modos

Para o “conceito” de audiovisual documentário aqui empregado, não há como estabelecer uma “morfologia” do documentário da mesma natureza que as definições das ciências naturais, já que “lidamos com o horizonte da liberdade criativa dos seres humanos, em uma época que estimula experiências extremas e desconfia de definições” (RAMOS, 2008, p. 22). Apesar disso, “se queremos pensar a produção cultural de nosso tempo, temos de lidar com conceitos, com palavras mais ou menos precisas que designem o universo a que estamos nos referindo” (RAMOS, 2008, p. 22).

Um dos trabalhos de elaboração teórica mais influentes sobre o documentário é o do norte-americano Bill Nichols. O autor é um dos intelectuais mais influentes da academia norte-americana contemporânea na área do cinema (RAMOS, 2012, p.11). Em vez de uma definição monolítica que responda de uma vez por todas o que é o documentário, Nichols propões que seja considerado como trabalho mais importante por seus estudiosos a análise de modelos e protótipos, de casos exemplares e inovações, como sinais da flexibilidade do campo do documentário e da atuação e evolução da tradição documentária dentro dele (NICHOLS, 2012, p.48). Podemos dizer que essa flexibilidade do conceito de documentário, junto às diferenças que estabelece com gêneros como a ficção, e a relevância do status do documentário como representação fílmica do mundo histórico formam uma base para sua teoria (NICHOLS, 1991, xii). Nessa base, exercem especial importância os desdobramentos éticos da produção, edição e fruição dos documentários e as relações que os documentaristas estabelecem no e pelo documentário com as pessoas que representam (NICHOLS, 2012, p.31).

Além disso, uma das principais contribuições de Nichols são suas noções de voz e modos documentários. Para o autor, as origens do cinema documentário estão na condensação de algumas funções cumpridas pela imagem cinematográfica a partir do final do século XIX. Essas funções ou ênfases são a(o) espetacular\registro científico, a experimentação poética, o relato narrativo de histórias e a oratória retórica. Para Nichols, o documentário contemporâneo é eminentemente retórico. A tendência retórica destaca a construção da persuasão sobre uma maneira singular de ver o mundo histórico, procurando nos predispor a agir ou adotar sensibilidades ligadas a um valor, ou outro diferente, em relação ao tema abordado.

A retórica difere do raciocínio utilizado para chegar a uma demonstração matemática ou a uma conclusão científica; esses processos lógicos têm seus próprios axiomas, e geralmente tratam de problemas para os quais existe uma e apenas uma solução, dado um conjunto específico de suposições iniciais. A retórica também difere do discurso poético ou narrativo, que visa menos nos convencer de uma questão social do que nos oferecer uma experiência estética ou o envolvimento num mundo imaginário. Ainda assim, a retórica pode facilmente usar a poética, a narrativa ou os elementos lógicos. No entanto, esses elementos são utilizados para nos convencer de um assunto para o qual é possível mais de um ponto de vista ou conclusão. (NICHOLS, 2012, p.43-44)

O fato de ser o documentário em grande medida retórico leva a noção de voz desenvolvida por Nichols (2012, p. 76). No conceito de voz, que não corresponde necessariamente à voz física presente no recurso de narração ou voz-over, observamos a reunião de recursos de tomada, edição e finalização de imagens e sons de maneira particular por um cineasta\documentarista. A voz materializa tanto suas atitudes diante da realidade social quanto sua visão criativa da linguagem fílmica. Assim, uma “voz” é construída sobre o tema desenvolvido pelo cineasta, de maneira distinta ao que outros documentaristas poderiam construir sobre o mesmo tema em outras situações e a partir de outros recursos.

Quando olhadas coletivamente em suas recorrências e agrupamentos, Nichols (2012, p. 135) diz que às vozes formam “modos”, agrupamentos que não apresentam uma estrutura rígida, mas dentro da qual os documentaristas trabalham a partir de determinadas convenções que permitem ao público gerar certas expectativas sobre o que esperam assistir. O autor define então seis modos documentários: modo poético, modo expositivo, modo observativo, modo participativo, modo reflexivo e modo performático.

O documentário do modo poético tem diversos pontos de contato com a vanguarda modernista do início do século XX, enfatizando “associações visuais, qualidades tonais ou rítmicas, passagens descritivas e organização formal” (NICHOLS, 2012, p. 62), de maneira muito próxima ao cinema experimental ou pessoal. Já os documentários do modo expositivo enfatizam uma lógica claramente argumentativa ou retórica, privilegiando o comentário verbal que se dirige diretamente ao espectador por meio de vozes ou legendas (NICHOLS, 2012), dentre outras características. Documentários desse modo constituem o que geralmente chamamos “documentário clássico”. No modo observativo, de modo geral, enfatiza-se um engajamento mais direto no cotidiano dos sujeitos tomados como tema do documentário, sem, no entanto, interferir explicitamente em suas ações. Valoriza-se o ato de filmar a vida da maneira em que ela transcorre “espontaneamente” e questiona-se o controle na encenação, arranjo ou composição de uma cena para a construção de padrões formais ou argumentos persuasivos dos modos poético e expositivo (NICHOLS, 2012, p. 146).

Já o modo participativo adquire ênfases opostas ao do observativo, ao valorizar a representação do mundo histórico conforme o registro de indivíduos engajados diretamente nele, e não por alguém que “observa discretamente, reconfigura poeticamente ou monta argumentativamente esse mundo” evitando a exposição com voz-over anônima (NICHOLS, 2012, p. 154-160).O modo reflexivo, por sua vez, tem um caráter mais metalinguístico e chama atenção para as convenções que regem o próprio cinema documentário. Documentários reflexivos aguçam a consciência do expectador para a construção de suas próprias representações. O sexto e último modo descrito por Nichols, o modo performático, enfatiza o aspecto subjetivo ou expressivo do engajamento do cineasta com seu tema e a receptividade do público a esse engajamento, com ênfase no impacto que tem sobre esse público, o que faz com que documentários ligados ao modo performático se diferenciem de filmes experimentais e de vanguarda, com os quais compartilham muitas características (NICHOLS, 2012, p.63). Nos documentários performáticos, o ponto de apoio é a realidade histórica junto aos indivíduos reconhecíveis que fazem parte dela.

É a partir das noções de voz e modos que analisaremos o corpus de documentários apresentado a seguir, observando também suas preferências narrativas de lugar e personagens representados.

Documentários do Pará

Foram considerados nesta análise documentários de curta-metragem (máximo de 35 minutos), exibidos em mostras de cinema e audiovisual do estado do Pará entre os anos de 2010 e 2013, e que tivessem sido produzidos no próprio estado[1]. O objetivo foi fazer um apanhado de audiovisuais cuja duração permitisse nossa fruição e análise de maneira adequada ao tempo limitado da pesquisa. A estratégia é moldada também tendo em vista os ângulos de público, comunidade profissional e indexação social estabelecidos por Nichols (2012). Ou seja, nosso corpus é composto por conteúdos que se anunciam por seus produtores e são considerados pela curadoria dos festivais como “documentários”. Os festivais em que são exibidos, por sua vez, são importantes espaços de congregação de público em geral e de uma comunidade de profissionais produtores e críticos.

Já nosso recorte de tempo procurou conferir audiovisuais em circulação nos primeiros anos de 2010 para ter uma amostra da produção imediatamente contemporânea no Pará, e não para fazer uma catalogação exaustiva de todos esses conteúdos nesses primeiros anos. Procuramos também festivais de diferentes regiões do estado, apesar de apenas dois dos seis festivais levados em consideração serem realizados fora da região metropolitana de Belém. Os festivais que catalogamos têm periodicidade anual e prioritariamente são aqueles que possuem mais de uma edição realizada, além de contar com apoio de instituições relacionadas ao audiovisual e órgãos do poder público, como secretarias municipais e estaduais de cultura.

Levantamos os audiovisuais exibidos no Festival Pan Amazônico de cinema/Amazônia DOC., edições de 2010 e 2011; no Festival de Cinema de Parauapebas/CurtaCarajás, edições de 2010, 2011, 2012[2]; na 1ª Mostra de Cinema Marajoara em 2010[3]; no Fusca – Festival Universitário de Criação Audiovisual[4], edições de 2012 e 2013; no 1º Festival de Audiovisual de Belém em 2013 e nas duas edições do Cine Periferia Pai D'égua, realizadas em 2011 e 2012.

As principais fontes para levantamento desses festivais foram jornais e blogs de notícias do estado, prioritariamente disponíveis online, além dos sites oficiais dos festivais. Os curtas reunidos foram catalogados a partir do nome do diretor, ano, local de produção, duração e disponibilidade na internet. Foram ainda pesquisadas suas sinopses, disponíveis em textos de divulgação em jornais online e blogs. Foi indicado também o link do vídeo, caso ele estivesse disponível online. Dos 26 documentários reunidos, 14 estavam disponíveis online e farão parte desta análise, conforme quadro abaixo:

Quadro 1 - Documentários em curta-metragem exibidos em mostras e festivais do estado do Pará (2010 a 2013) e disponíveis online na íntegra

Nome

Local Produção

Duração

Direção/ Autoria

Ano

Perseverança

São Sebastião da

Boa Vista PA

14 min 55 seg

Mauro Bandeira

2006

Mãos de Outubro

Belém PA

20 min 18 seg

Vitor Lima

2009

A Festa da Cobra

Soure PA

13 min 10 seg

Angélica Figueiredo da Costa, Alessandra Figueiredo da Costa e

Cris Penante

2009

Na Canoa para Aprender

Belém PA

5 min

Bruno Assis e Dani Franco

2010

Carnasat

Belém PA

25 min

Wirley Silva

2010

Toda Qualidade de Bicho

São Caetano de

Odivelas PA

10 min

Angela Gomes e Cézar Moraes

2011

Barcos de Odivelas

São Caetano de

Odivelas PA

14 min

Angela Gomes e Cézar Moraes

2011

Apeú - Em canto, eu conto)

Castanhal PA

10 min

Ronildo Carvalho

2011

Xandu

Ananindeua PA

23 min 44 seg

Renata do Rosário Lira e Arthur

Leandro

2011

Ressocializar, é preciso?

Belém PA

13 min 53 seg

Coletivo

2012

Cosp Tinta Crew - Arte, Cor e

Luta

Belém PA

10 min 29 seg

Ananda Saraiva

Kamila Motta

2012

Macapazinho – Do rio a Fé

Castanhal PA

10 min

Kamila Nascimento

2013

De carona com a vida

Belém PA

9 min 20 seg

Felipe Ferreira Pereira

2013

Belém à vapor

Belém PA

5 min

Rodolfo Pereira

2013

Os documentários variam bastante em sua qualidade técnica, indo desde produções de linguagem sofisticada e profissional, até obras feitas com mídias móveis a partir de recursos fílmicos básicos. Nesse sentido, filiações ao modo expositivo emergem como as mais comuns, apesar de muitas não usarem locução e sim depoimentos para tecer suas vozes particulares. Em praticamente todos os documentários analisados, defende-se argumentos favoráveis à cultura popular ou de grupos marginalizados ou se exalta estados de ânimo ligados a eles, em tons performáticos. Recursos observativos também são comuns e alguns apresentam inclusive características do modo participativo. Características do modo reflexivo foram encontradas apenas de maneira residual em alguns trabalhos. Abaixo, quadro com resumo analisaremos cada um dos documentários divididos em dois grupos: aqueles que se referem a populações da cidade, e aqueles que se referem a populações de fora da cidade, já que essa foi uma categoria que emergiu como elemento de destaque entre os documentários.

Quadro 2: Resumo elementos narrativos e análises de Voz e Modo de Documentários Paraenses Exibidos em Mostras e Festivais do estado entre 2010 e 2013

Nome

Lugares principais

Personagens principais

Alguns elementos de voz

Caracteristicas de modo

Perseverança

Áreas ribeirinhas de São Sebastião da Boa Vista

Artistas locais, mestres da cultura popular

Uso de encenação, uso de voz-over, apologia a cultura musical do interior da amazônia.

Predominantement e expositivo.

Mãos de Outubro

Belém do Pará, ambiente urbano

Devotos e participantes da procissão do Círio de Nazaré

Uso predominante de planos detalhes, P&B, uso predominante de sons ambiente, iluminação contribui para desnaturalização de entrevistados e locações, apelo afetivo.

Predominantement e performático, com alguns recursos reflexivos.

A Festa da Cobra

Cidade de Soure, interior do Pará

Brincantes e organizadores da festa popular

Câmeras amadoras, efeitos de sépia, uso de títulos (vocabulário explicativo acadêmico), tradição da festa popular em contexto humanístico universal

Predominantemente expositivo

Na Canoa para Aprender

Ilhas de Belém, área rural

Moradores das ilhas

Protagonismo dos entrevistados, ausência de trilha musical, apagamento da equipe de filmagem, ausência de legendas e títulos, defesa da valorização da cultura popular.

Predominantement e expositivo com características observativas

Carnasat

Bairro do Satélite, subúrbio de Belém

Brincantes e organizadores da festa popular

Uso de imagens de arquivo incluindo pessoal, efeitos simulando registro analógico, trilha musical festiva e evocativa de estados de espírito ligados à festa popular, interação direta entre entrevistador e entrevistados

Predominantement e performático, com características participativas

Toda Qualidade de Bicho

Área portuária de São Caetano de Odivelas, interior amazônico

Mestres da cultura popular

Uso frequente de títulos, uso de trilha musical regional, defesa da preservação da cultura popular.

Expositivo

Barcos de Odivelas

Área portuária de São Caetano de Odivelas, interior amazônico

Carpinteiros de barcos regionais

Uso frequente de títulos, uso de trilha musical regional, registro marcadamente indexador, defesa da preservação da cultura popular.

Expositivo

Apeú – Em canto, eu conto

Distrito do Apeú, área ruralizada, “interior”

Moradores do distrito de Apeú

Câmeras amadoras, ênfase em associações visuais subjetivas, entrevistados como narradores líricos.

Poétic com caracteristicas performáticas

Xandu

Comunidade quilombola ruralizada

Irmã Xandu

Pouco apuro técnico, recursos indexadores fortes.

Predominantemente expositivo, com características participativas

Ressocializar, é preciso?

Presídio em ambiente urbano

Reeducandos do sistema penitenciário

Uso de trilha musical com lógica informativa, uso de entrevistas e registro de discussões, humanização do cárcere

Participativo, com alguns elementos reflexivos

Cosp Tinta Crew - Arte, Cor e Luta

Periferia urbana de

Belém

Grafiteiros e outros artistas

Protagonismo dos entrevistados, defesa do protagonismo dos artistas populares.

Expositivo.

Macapazinho – Do rio a Fé

Distrito de Macapazinho, área ribeirinha

Participantes da festividade em Macapazinho

Uso de voz-over, pouco protagonismo dos indivíduos retratados

Predominantement e expositivo, com alguns recursos observativos

De carona com a vida

Centro de Belém, área urbana

Travestis que se prostituem na noite de Belém

Uso de encenação, entrevistados também fazem locução, interação com entrevistadores, mudanças de perspectiva celebratória para crítica ao longo do vídeo

Participativo

Belém a vapor

Centro de Belém, área urbana

Jovens, adeptos da subcultura steampunk

Uso de animação, montagem fragmentada, voz que nos apresenta o exótico, surpreendente.

Expositivo

Fonte: Próprio Autor

Como podemos observar, do ponto de vista dos locais e personagens principais escolhidos pelos documentários analisados, predominam de um lado os ambientes urbanos da cidade de Belém e de outro os ambientes ruralizados\ribeirinhos de cidades e localidades interioranas do estado do Pará. A seguir, detalharemos como se constrói a voz de cada um dos 8 documentários onde predominam localidades e personagens do eixo temático que chamamos “Visões sobre a cultura popular: meio rural e cultura ribeirinha em destaque”.

Visões sobre a cultura popular: meio rural e cultura ribeirinha em destaque

Na Canoa para Aprender (2010), documentário de Bruno Assis e Dani Franco, tem 5 minutos de duração e desenvolve um argumento sobre as relações entre educação formal e conhecimento tradicional em uma região ribeirinha da ilha do Combú, área rural de Belém. Vemos o depoimento de uma professora local sobre seu objetivo de fazer com que seus alunos aprendam a ler e a contar com fluência, o mesmo objetivo do “professor da cidade”, acrescido apenas do dever de levar em consideração a realidade vivida pelo aluno. Vemos também a fala de uma mãe sobre como é importante participar da educação do filho, enquanto que o pai fala da importância de repassar o ofício da construção de barcos para ele, como uma garantia para o futuro. Enquanto isso, o filho relata como pretende formalizar os conhecimentos que tem da construção popular de barcos por meio de um curso de engenharia naval: no futuro, ele pretende construir também o motor dos barcos.

A voz dos documentaristas emerge como organizadora dos relatos dos ribeirinhos entrevistados. É o comentário desses entrevistados que desenvolve o argumento e não a locução ou legendas oniscientes que se passam separadamente às situações filmadas e são inseridas durante a edição. Nesse sentido, os sujeitos retratados possuem protagonismo na enunciação de sua própria realidade. O filme não utiliza trilha sonora, apenas sons ambientes, e cada um dos entrevistados faz seu relato a partir de seu lugar “próprio” de fala: a escola, o ambiente doméstico, e a oficina de construção à beira do rio. A câmera segue a todos discretamente, não ouvimos comentários do diretor nem vemos a equipe de filmagem, o que, apesar do recurso da entrevista, faz emergir características do modo observativo na fluidez com que retrata ações espontâneas e cotidianas: crianças brincando na escola, carpinteiros navais trabalhando, a mãe lavando a louça e brincando com os filhos.

Esses personagens não são identificados nominalmente, o que também nos faz lembrar do “modelo sociológico” de Jean-Claude Bernadet (apud BIZARRIA, 2008, p.77). Entretanto, o pouco que vemos deles, que até certo ponto são arquetípicos, transpira singularidades e personalidade, especialmente quando o documentário conforma uma voz positiva sobre a necessidade de interação do conhecimento formal com esse conhecimento informal. Eles são exaltados: é na canoa que se aprende, as populações ribeirinhas são fonte de conhecimento que pode ser uma referência primordial e não apenas um complemento ao conhecimento formal da cidade. A última tomada do documentário é ilustrativa nesse sentido. Nela, vemos pela primeira vez imagens da cidade, que surge em um plano sequência a medida em que um barco percorre o rio e ultrapassa um trecho de terra: o outro é revelado, a cidade é o outro e o ambiente ribeirinho é o ponto de partida (ou o eu). Por essa função persuasiva, que se baseia na ilustração e na informação, o documentário se situa predominantemente em referência ao modo expositivo.

Toda Qualidade de Bicho (2010), de Angela Gomes e Cézar Moraes traz o mesmo argumento apologético sobre a cultura popular, mas em voz menos recuada do que a voz de tons observativos de Na canoa para aprender. O tema do documentário é a história de vida e a sabedora de “Mestre Dorrês”, de 82 anos, apresentado como principal artesão na confecção dos bois cenográficos usados no boi de máscaras de São Caetano de Odivelas, litoral do Pará, nordeste do estado. A saúde frágil de Mestre Dorrês e o desinteresse por parte das novas gerações por aprender seu conhecimento, se revelam como um dilema. A voz mais ativa na construção de um argumento faz emergir características do modo expositivo em sua relação mais didática\impositiva com os temas de que trata. De início, o filme se utiliza de trilha musical com composições típicas do boi de São Caetano de Odivelas para ambientar e dar ritmo ao que está sendo mostrado (imagens do rio e da orla da cidade), e também legendas que identificam a cidade e o personagem principal, Mestre Dorrês. As singularidades de Mestre Dorrês são destacadas, desde o título do filme, que é um modo peculiar de dizer “todos os tipos de bicho”, facilmente identificável com os falares tradicionais da região (“Dorrês” também segue a mesma lógica: é a pronuncia regional de “dos Reis”, o sobrenome do mestre). A entrevista é realizada com Mestre Dorrês em sua oficina, intercalando imagens do boi de São Caetano “em cena” nas ruas da cidade.

Não é utilizada a voz-over, nem se ouve ou vê os comentários dos documentaristas, exceto em raros momentos durante a entrevista com Mestre Dorrês. Entretanto os títulos servem como essa voz onisciente, tanto no início quanto no final do filme, mostrando o quanto a lógica organizativa do modo expositivo é importante para esse documentário.

Barcos de Odivelas (2011), de Angela Gomes e Cézar Moraes, é rodado na mesma cidade que Toda Qualidade de Bicho (2010) e em seus 14 minutos também desenvolve um argumento sobre a importância do conhecimento popular, nesse caso o conhecimento dos carpinteiros de barcos regionais presentes na região. O documentário é resultado das oficinas de audiovisual do projeto Olhar Odivelas, contemplado com o Prêmio Interações Estéticas Residências Artísticas em Pontos de Cultura 2010, da Fundação Nacional de Artes (Funarte), em parceria com a Secretaria de Cidadania Cultural (SCC) do Ministério da Cultura.

O argumento é que esses artesãos, que aprenderam o ofício ainda na infância com os pais, desenvolvem uma atividade importante para a população local, apesar de seu ofício encontrar resistência como profissão entre as novas gerações. A voz do documentário se baseia no modo expositivo de modo semelhante ao de Toda Qualidade de Bicho, também utilizando trilha musical regional típica e títulos que inclusive demarcam as partes em que se divide a narrativa, como capítulos: “O Princípio”, “A Arte”, “O Segredo”, “As Mudanças”, e “Realização”. Utiliza também entrevistas com os carpinteiros e calafates, muitas vezes ilustradas por tomadas deles mesmos manuseando ou mostrando equipamentos e barcos em construção. Esses personagens são singularizados e dividem suas impressões sobre sua vida e a relação com a atividade. Percebe-se o esforço de registro da atividade, do ponto de vista tanto de quem ainda está no ofício quanto de quem já não está. Esforço que, assim como e Toda Qualidade de Bicho, recorda a atividade “etnográfica” de registrar evidências materiais de uma cultura em vias de extinção, conforme faziam muitos dos primeiros documentários rodados na região amazônica (BIZARRIA, 2008).

Em Apeú - Em cantos, eu conto (2011) de Ronildo Carvalho, vemos como o modo poético pode adquirir tons performáticos. Para este documentário, o diretor utiliza câmeras amadoras (celulares, webcams...) para enfatizar associações visuais e uma voz lírica que contempla a vila do Apeú, seus hábitos simples e natureza singular. O filme começa com longas tomadas em que flores amarelas aparecem caindo na correnteza de um rio, até que um título nos informa que “Apeú” quer dizer, em língua Tupi, “O caminho das águas de ouro”.

A câmera também percorre subjetivamente, em baixa altura, um trecho de mata, até que a imagem é cortada para uma tomada do primeiro personagem do filme, uma professora de geografia que explica as origens da vila do Apeú, no município de Castanhal, nordeste do Pará.

A partir de então, outros personagens concedem seu depoimento, como uma benzedeira, uma lavadeira e uma parteira, todas idosas e com relações íntimas com a comunidade. Apesar de ouvirmos seus relatos, suas personalidades não são aprofundadas psicologicamente. Elas servem como materialização do lirismo da comunidade e suas referências à tradição e a cultura popular, presentes também em imagens como a de um barzinho, paredes de barro e planos detalhe da fabricação da farinha de mandioca.

Apesar desse predomínio poético em recursos como a montagem de planos detalhe de partes do ambiente em que se prepara a farinha, por exemplo, a fim de ressaltar suas características formais e não o realismo de uma tomada que pressupõe o “apagamento” da câmera, como no cinema ficcional clássico, o documentário adquire tons performáticos ao conferir um protagonismo a mais aos personagens retratados, que não estão no mesmo nível dos objetos como flores, árvores e fornos na evocação de afetos e estados de humor, mas sim no de contadores de história, portadores de um lirismo expresso em comentários que são levados ao expectador diretamente, sem o intermédio de legendas ou locuções que expliquem o que está sendo contado por eles.

Já o documentário Xandu (2011), dirigido por Renata do Rosário Lira e Arthur Leandro em Ananindeua, região metropolitana de Belém, tem o objetivo argumentativo de retratar o Cotidiano da Irmandade do Rosário, de origem quilombola, na transmissão de conhecimentos tradicionais da prima Xandu e no aprendizado da extração do óleo de andiroba. O filme faz parte das ações do Projeto Azuelar e documenta uma ação do Projeto Magia de Jinsaba - sem folhas não tem ritual, realizado pelo Instituto Nangetu em parceria com a Irmandade do Rosário.

O documentário se baseia no modo expositivo, no qual a voz confere importante papel a textos explicativos, mas apresenta também interessantes dinâmicas do modo observativo, que inclusive se extrapolam para o modo participativo quando percebemos que o filme é uma criação coletiva em âmbito familiar. Essas dinâmicas são provocadas em parte pelo que seus autores chamam de “tecnologia do possível”[5], ou seja, mídias móveis de uso doméstico, sem sofisticação técnica e que captam imagens que tampouco são organizadas a partir de noções sofisticadas de montagem, edição ou trilha sonora. A própria qualidade de som e imagem muitas vezes é sofrível. Os registros são feitos ainda em tomadas longas, que não tem preocupação em um tratamento narrativo ou criativo, mas sim predominantemente indexador. Isso provoca um efeito de câmera discreta, como no cinema observativo, mas com a participação dos presentes que interferem na ordem dos acontecimentos.

Em uma das cenas, por exemplo, uma presente é chamada para “aprender” o processo de extração do óleo. Entretanto, no decorrer das ações ela começa a revelar impressões e conhecimentos sobre o processo, o que pode revelar tanto a dinâmica de passagem do conhecimento com base na oralidade, recorrendo a memórias e esquecimentos, quanto modos de encenação presentes no documentário. Ou seja, os presentes se “deixam ensinar” em frente às câmeras porque isso cumpre o papel didático da voz do documentário que quer publicizar os conhecimentos da prima Xandu. Papel de encenação que é preponderante inclusive por conta da história da comunidade em questão, oriunda de uma área rural, mas vivendo também na cidade onde hábitos tradicionais precisam ser reencenados. Além desses recursos e dos diálogos sobre a extração do óleo de andiroba, também são utilizados títulos para indicar a passagem do tempo e explicar as ações, num processo em que a imagem apenas ilustra um processo que necessita do comentário verbal para ser entendido.

A Festa da Cobra (2009) é um documentário produzido na cidade de Soure, arquipélago do Marajó, no Pará, pelo Coletivo Resistência Marajoara e as realizadoras Angélica Figueiredo da Costa, Alessandra Figueiredo da Costa e Cris Penante.

Nas palavras dos realizadores[6], a Festa da Cobra pode ser definida como uma festa dionisíaca e com os tradicionais símbolos míticos e eróticos da cultura marajoara. - profana procissão, que, no lugar de um santo, transporta uma cobra, como se esta fosse um mastro, típico elemento (fálico) das festas tradicionais interioranas que se espraiam seja pelo Marajó, pela Amazônia e mesmo pelos rincões desconhecidos deste país. A voz do documentário se envolve com o argumento de que a festa popular da cidade de Soure se reveste de significados profundos, tanto para a cultura popular local quanto em relação a símbolos míticos universais. O documentário se inicia com comentários em forma de títulos que possuem efeitos de prólogo. A linguagem tem tons acadêmicos e esclarece algumas dessas relações o que mais uma vez mostra a ressonância do modo expositivo de documentário. Às informações verbais são intercaladas imagens dos cortejos da festa da cobra, com filtros que lhe emprestam tons de sépia, além de áudio suprimido. Mais uma vez, ecoam lembranças dos primeiros documentários etnográficos produzidos na Amazônia.

Leva-se quase 3 minutos para que essa dinâmica seja interrompida pela fala de alguém explicando as origens da festa. A fala ainda está off camera, mas já contamos com sons ambientes acompanhando as cenas. Ao começar a retratar a festa da cobra em si, com suas danças, marchinhas e consumo de álcool, a voz do documentário se torna mais irreverente, se deslocando para mais próximo das pessoas que retratada, como pode ser observado no título “A cobra vem ai!” e nas tomadas longas junto aos brincantes. Entretanto, ainda mantêm-se certa distância. É interessante ver como muitas pessoas do cortejo se dirigem à câmera, cujo operador permanece silencioso. Em um momento, uma brincante diz “obrigado por você tá filmando a gente, tá?”. Em outro, outra fala feminina ordena “filma descendo, essa porra!” referindo-se ao registro que a câmera faz da cobra e seus brincantes descendo uma escada. Ouvimos uma fala masculina vinda de quem opera a câmera, com atitude inquiridora e portanto em contato mais direto com os sujeitos retratados, apenas nos momentos seguintes, quando ouvimos uma pergunta dirigida a Marilza Vasconcelos, coordenadora da festa da cobra. Mais uma vez, nota-se também a voz onisciente do documentário: a pergunta já inclui diversas respostas e espera por confirmação.

Perseverança (2006), de Mauro Bandeira, foi produzido em São Sebastião da Boa Vista, no arquipélago do Marajó e mostra a história do Grupo de Artes e Expressões Marajoaras Artemar, que começou como um grupo teatral ligado a atividades religiosas, até que seus integrantes tiveram a ideia de formar um grupo musical tipo pau-e-corda com curimbós, flauta, banjo, maracás etc. A proposta do Artemar é valorizar o carimbó como identidade musical do marajoara. É um documentário com claros contornos expositivos, que utiliza voz-over em sua abertura e cujo argumento gira em torno do quanto indivíduos do interior da Amazônia têm força de vontade e espírito de protagonismo para fazer arte popular como projeto de identidade. São usadas ainda encenações para ilustrar momentos como a entrada dos participantes na mata para tirar madeira que viraria instrumentos de percussão, bem como a saga de um dos integrantes para construir um banjo a partir de restos de madeira e chapas de metal. Apesar dos contornos expositivos, o documentário também fornece bastante espaço para singularização dos personagens que retrata, que por meio de depoimentos contam sobre a origem do grupo de maneira muito emotiva.

Já Macapazinho – do rio a Fé (2013), dirigido por Kamila Nascimento também é predominantemente filiado ao modo expositivo, por mais que tenha trechos e inclusive um comentário que sugere o modo observativo. O argumento geral materializado pela voz do documentário é o de que a agrovila de Macapazinho é um paraíso em contato com a natureza, cheio de bucolismo e com uma manifestação cultural e religiosa muito própria, como singularizado pelo Círio de Nazaré local. A voz do documentário, primeiramente por meio da locução com voz-over, orienta esse entendimento. Em seguida, entrevistas também são realizadas com moradores locais e principalmente visitantes com ligações familiares no local, como é possível deduzir dos relatos que falam sobre férias passadas no local e sobre o que não pode deixar de ser feito ao se visitar a comunidade. A voz assume assim contornos “turisticos”, sem maior envolvimento com ações no momento em que elas acontece.

Boa parte do documentário é composto por cenas do círio de Macapazinho, com sua banda de fanfarras e procissão por entre corredores de árvores em um igarapé. Entretanto, os participantes dessa procissão em nenhum momento são abordados. Há inclusive uma cena em que o padre, enquadrado em big close, se dirige ao sujeito que porta a câmera, abençoando seu trabalho e presença na procissão, no que é possível ouvir um “obrigado” em resposta, pronunciado com um riso de constrangimento. É como se o fato de se interpelado pelo objeto de seu registro fosse algo inesperado para sujeito do registro.

Ou seja, a voz do documentário, ainda que em nível não assumido, mas em uma perspectiva visível, estabelece uma distância entre documentaristas e tema. Em certa medida, é possível ver que as dinâmicas que constroem a voz do documentário o constroem a partir de perspectivas anteriores ao momento da tomada, e que procuram na tomada apenas confirmação. É o caso de cena presente já nos créditos do filme, em que uma moradora é questionada sobre o “diferencial” de Macapazinho e responde que “não tem nem explicação”, no que a voz questionadora off câmera parece insatisfeita (como se tivesse uma resposta predeterminada em mente) e inclusive “sopra” uma resposta, interrompendo a entrevistada: “Esse calor humano! A colaboração!”. A resposta é aceita pela entrevistada, que desenvolve sua fala a partir dessa ideia.

Considerações Finais

Como pudemos observar nos documentários que fazem parte de nosso corpus, os recursos utilizados por eles e as relações estabelecidas por meio deles são variadas, mas características do modo expositivo tem grande participação, seguidas por características ligadas ao modo performático. Já características do modo reflexivo são raras. Apesar de alguns documentários analisados utilizarem voz-over, a baixa qualidade técnica de muitos deles também faz com que o uso de títulos e comentários escritos seja muito frequente. Nesse sentido expositivo, muitas vozes nos documentários analisados também deixam visíveis seu trabalho de estabelecer um ponto de vista anterior ao momento da tomada e da edição e registrar e editar ações, relatos e informações que correspondam a essas expectativas preestabelecidas.

Assim, no corpus analisado, podemos dizer que existe subversão em relação ao “documentário clássico” de modo expositivo produzido no Pará e hibridação de referências, conforme técnicas e modos introduzidos por movimentos como o “cinema verdade”, o “cinema direto” a partir da década de 50 e mesmo o “modelo sociológico” brasileiros (BERNADET apud BIZARRIA, 2008, p. 102-103), mas os recursos desse modo continuam firmes no que tange suas noções de “objetividade” e onisciência, mesmo que essa voz onisciente seja coletivamente construída por comentários em legendas, entrevistas e depoimentos.

Apesar de os estilos narrativos serem variados, seguindo a tendência contemporânea, o tema da cultura popular foi predominante nos documentários analisados, o que se liga ao que diz Bizarria sobre o quanto o documentário contemporâneo se abre para grupos historicamente não representados em produções do campo, especialmente no documentário amazônico (BIZARRIA, 2008, p. 101). Populações “caboclas” do Pará, populações das periferias das grandes cidades e grupos marginalizados passam a ser tema e protagonistas de produções documentais e o reconhecimento de aspectos de culturas populares rurais e urbanas e o protagonismo dos sujeitos envolvidos com ela pode ser apontados como argumento de sustentação de vários dos documentários analisados.

Vemos assim o quanto os usos indexadores, de entretenimento, experimentação poética, narrativa de histórias e oratória retórica, condensados no documentário ao longo da história, continuam encontrando terreno fértil dentro de projetos de identidade, reclamados por atores excluídos de representação nos projetos “cívicos” e de nação tradicionais. Isso porque em áreas coloniais como Amazônia e o Pará, proliferou o registro do outro como entidade exótica e carente de modernização sendo esse é um aspecto relevante de nossa história local com o documentário. Registro que se baseou predominantemente no modelo de “documentário clássico” identificado com o modo expositivo, que como vimos continua corrente até hoje.

Referências Bibliográficas

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BIZZARIA, Fernanda. A construção das identidades no documentário: os povos amazônicos no cinema. Niterói, RJ: Muiraquitã, 2008. 128 p.

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LIMA, Regina; PINHO, Uriel. Entre local e global: recortes sobre a pesquisa em audiovisual na e sobre a Amazônia. In: MALCHER, Maria Ataide; MARQUES, Jane Aparecida; PAULA, Leandro Raphael de. História, comunicação e biodiversidade na Amazônia. São Paulo: Acquerello, 2012. Pp. 119-137

LIMA; Regina Lúcia Alves de; PINHO; Uriel N. S.; GADELHA, Dilermando. Amazônia e o discurso da modernidade e urbanidade em audiovisuais de ficção do estado do Pará. Revista Eco-Pós (Online), v. 17, p. 1-16, 2014.

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OLIVEIRA, R. P. 2004. Cinema na Amazônia: Textos sobre Exibição, Produção e Filmes. 1ª Ed., Belém, CNPq, 100p.

PINHO, Uriel; LIMA, Regina. Pesquisa em Audiovisual na Amazônia: primeiras anotações. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO - INTERCOM NACIONAL, 35, Fortaleza, 2012. Disponível em: < http://www.intercom.org.br/sis/2012/resumos/R7-1417-1.pdf >

RAMOS, Fernão Pessoa “O que é documentário?”, in Fernão Pessoa Ramos et al.

(orgs), Estudos de Cinema 2000 – Socine (Porto Alegre: Sulinas, 2001), pp. 193-195.

. Mas afinal o que é mesmo documentário?. São Paulo: SENAC, 2008. 447 p.

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SANJAD, N.; CASTRO, A. R. M. 2015. Comércio, política e ciência nas exposições internacionais: O Brasil em Turim, 1911. Parte 1. Varia Historia, vol. 31: p. 819-861

Referências Audiovisuais

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A ‘VIDA’ no cárcere, Direção: alunas da Oficina de Audiovisual do Centro de Recuperação Feminino – CRF da 1ª Edição do Cine Periferia Pai D’égua - CUFA PA.

15 minutos e 44 segundos

BARCOS de Odivelas. Direção: Angela Gomes e Cézar Moraes. São Caetano de Odivelas: [s.n.], 2011. Meio eletrônico (14 min) Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=cXtzhGKdp1Y> Acesso em: 10, dez. 2014

BELÉM a vapor. Direção: Rodolfo Pereira. Belém: [s.n.], 2013. Meio eletrônico (5 min) Disponível em: <https://vimeo.com/102481206> Acesso em: 10, dez. 2014

BRAGANÇA - Inventário Sócio Cultural Direção: Gilvan Capstrano e Wesley Braun,2009, Bragança PA, 16 min

CARNASAT. Direção: Wirley Silva. Belém: [s.n.], 2010. Meio eletrônico (25 min) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KnF7cGcnYms> Acesso em: 10, dez. 2014

COMUNICAÇÃO Comunitária Marajó, Argonautas Ambientalistas da Amazônia (PA) COSP Tinta Crew - Arte, Cor e Luta. Direção: Ananda Saraiva Kamila Motta. Belém:[s.n.], 2012. Meio eletrônico (10 min29s) Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=OZ6Djz4qgRw> Acesso em: 10, dez. 2014

DE CARONA com a vida. Direção: Felipe Ferreira Pereira. Belém: [s.n.], 2013. Meio eletrônico (9 min20s) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=T8Q4cv7pXck> Acesso em: 10, dez. 2014

É PROIBIDO não tocar nos saberes do Museu do Marajó, .Direção: Darcel Andrade.2008, Cachoeira do Arari PA, 5 min,

ERVAS e Saberes da Floresta, Direção: Zienhe Castro

IMPROVISATION (Belém – PA). Direção: alunos da Oficina de Audiovisual da Associação de Moradores do Guamá da 1ª Edição do Cine Periferia Pai D’égua - CUFA PA. 15 minutos e 8 segundos

INTERAÇÃO Audiovisual, Diretora Responsável: Luanna Vilhena.

MACAPAZINHO – Do rio a Fé. Direção: Kamila Nascimento. Castanhal: [s.n.], 2013. Meio eletrônico (10 min) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WMdKs-RX7-c> Acesso em: 10, dez. 2014

MÃOS de Outubro. Direção: Vitor Lima. Belém: [s.n.], 2009. Meio eletrônico (20min18s) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=DQvIlDqdceY> Acesso em: 10, dez. 2014

O MASTRO de São Caralho, Direção: Márcio Barradas, Belém PA, 23 min

MULHERES, Mães e Viúvas da Terra Direção: Evandro Medeiros, 2010, Marabá PA,25 min

O MUNDO de Célia. Direção: Bruno Assis, Ronaldo Rosa e Sissa Aneleh. 2009, Belém PA, 6 min.

NA CANOA para Aprender. Direção: Bruno Assis e Dani Franco. Belém: [s.n.], 2010. Meio eletrônico (5 min) Disponível em: <http://vimeo.com/36711699> Acesso em: 10, dez. 2014

PERSEVERANÇA. Direção: Mauro Bandeira. São Sebastião da Boa Vista: [s.n.], 2006. Meio eletrônico (14 min55s) Disponível em: <http://vimeo.com/15752547> Acesso em: 10, dez. 2014

RESSOCIALIZAR. é preciso? Direção: Coletivo. Belém: [s.n.], 2012. Meio eletrônico (13 min53s) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0JovXgGlDbU> Acesso em: 10, dez. 2014

TODA Qualidade de Bicho. Direção: Angela Gomes e Cézar Moraes. São Caetano de Odivelas: [s.n.], 2011. Meio eletrônico (10 min) Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=1hf67urnux8> Acesso em: 10, dez. 2014

UM PESADELO Real (Belém – PA) Diretor Responsável: Aloízio Guedes.

VOZES Jovens da Amazônia, Argonautas Ambientalistas da Amazônia, 2009, Belém PA.

XANDU. Direção: Renata do Rosário Lira e Arthur Leandro. Ananindeua: [s.n.], 2011. Meio eletrônico (23 min44s) Disponível em: <http://vimeo.com/31058312> Acesso em: 10, dez. 2014





[1] Esta escolha parte de estratégia já utilizada no projeto “Análises de Conteúdos Audiovisuais Midiáticos na Amazônia”, do qual este autor foi bolsista PIBIC do período de janeiro de 2012 a janeiro de 2013. Período no qual participou de levantamentos de conteúdos audiovisuais de curta-metragem exibidos em mostras e festivais dos 9 estados da Amazônia Legal nos anos de 2010 e 2011 Foram catalogados conteúdos de diversos gêneros (documentário, ficção, videoclipe, experimental...) com o intuito de embasar análises que tinham como horizonte o caráter discursivo desses conteúdos e sua relação com a elaboração de identidades amazônicas (LIMA; PINHO, 2012; PINHO; LIMA, 2012; LIMA; PINHO; GADELHA, 2014)

[2] Na edição de 2011, não foram encontrados documentários na lista de exibições e a de 2013 não pôde ser consultada pelo mesmo motivo: sua programação não foi encontrada online na página da mostra (http://www.curtacarajas.com/)

[3] Lista pode ser parcial, não havia site oficial. Programação foi consultada a partir de releases e notícias em blogs. Há também notícias de problemas coma infraestrutura da mostra, o que teria resultado na não exibição de filmes que constam na programação.

[4] Outro festival universitário, realizado desde 2006 pela Universidade da Amazônia (Una