Apresentação




É com muito orgulho que disponibilizamos mais um número de nossa revista. Nestas páginas, acreditem, existe muita dedicação, carinho e esforço, na tentativa de consolidação da qualidade e periodicidade, com o objetivo de que, a cada edição, possamos melhorar sempre.

Neste percurso, por sorte, nos aproximamos de pessoas apaixonadas e competentes que estão prontas a contribuir e somar-se ao time. Estamos falando da nova membra que acaba de entrar para nossa Equipe Editorial: Chiara Albino estreia diagramando esta edição. Seja bem-vinda à tripulação!

Com muita ternura, agradecemos a algumas pessoas especiais que atenderam nossos pedidos, apesar de suas agendas sempre cheias e espremidas de compromissos: muito obrigado Carla Saldanha, Celeste Campos Arakaki, Marina Ferreira e Rafaela Tavares. Um especial agradecimento, ainda, às/aos nossas/os incansáveis pareceristas e ao nosso Conselho Editorial. O apoio de todas/os vocês nos fortalece e empolga.

Para esta edição, oferecemos ao leitor o Dossiê Antropologia urbana e a produção do saber imagético, cuja proposta central alicerça-se na ideia de que as fontes visuais possibilitam um importante caminho na construção de narrativas a respeito do cotidiano e organização social de grupos e atores das praças, ruas, avenidas, feiras e bairros da cidade. Assim, no viés de ruptura com o estatuto ilustrativo das imagens, e com influência do sociólogo Howard Becker, desejamos demonstrar a importância do recurso visual como fonte etnográfica que reflete conteúdos sociais relacionados ao “olhar” treinado do pesquisador.

Significando um importante passo, no fomento do debate em torno do uso de imagens nas pesquisas urbanas, o dossiê é composto de um interessante conjunto de artigos, vídeos, ensaios fotográficos e entrevistas que, embora resultem de diferentes pesquisas e instituições espalhadas ao longo do país e fora dele, possuem em comum a reflexão da imagem enquanto possibilidade de conhecimento nas pesquisas relacionadas às paisagens urbanas. Tais trabalhos trazem uma linguagem comum que é extremamente representativa do que tem sido debatido (inter)nacionalmente nos grupos de trabalhos focados no diálogo entre pesquisas urbanas e imagéticas. Uma consequência positiva disto pode ser encontrada no fácil diálogo teórico-metodológico, possível, entre os materiais que compõem o dossiê, e a retroalimentação de um debate que resulta na exposição de interessantes recortes, abordagens e formas de operacionalização das fontes imagéticas.

Acreditamos que tivemos êxito ao organizar um dossiê com esta temática. Os trabalhos aqui reunidos mostram um interessante panorama do que se pesquisa, produz e pensa das/nas cidades. Cada trabalho aqui presente trata do cotidiano urbano de grupos e atores das praças, ruas, avenidas, feiras e bairros de cidades brasileiras de uma forma sensível e particular. Como bem sabemos, as cidades são lugares pungentes com dinâmicas e especificidades próprias e, por vezes, cercados de dramas e conflitos. Eis nossa edição:

Na seção Artigos, temos o trabalho “Do extraordinário ao cotidiano: itinerários de uma experiência fotoetnográfica em Imperatriz”, no qual Jesus Marmanillo Pereira se vale de uma pesquisa sobre skate na cidade de Imperatriz (MA) para refletir sobre a importância da fotografia enquanto possibilidade de autorreflexão, problematização da relação entre os saberes da antropologia e da técnica fotográfica, e as repercussões desses processos nas situações de extraordinariedade e de convivência cotidiana com o grupo pesquisado. A imagem fotográfica também é alvo de problematização no artigo “A produção imagética como recurso do trabalho de campo: o cotidiano a ser retratado através da narrativa fotográfica”. Nele, Thaiane Barbosa da Silva defende que essa fonte de informação ultrapassa a esfera documental e técnica, podendo ser compreendida como representação e como possibilidades de pesquisa e construção de narrativas etnográficas. Por meio dessa fonte, demonstra as formas de organização e sociabilidades no conjunto habitacional Cruzada São Sebastião, localizado na zona sul do Rio de Janeiro.  Já no texto “Imagem fenômeno e diálogo visual: conexões de pesquisa”, Silvia Carla Marques Costa demonstra um interessante itinerário de pesquisa realizada na cidade de Macapá (AP). Considerando os grafites estampados nos muros da cidade, a autora lança reflexões sobre a produção de uma cosmologia amazônica, sobre as estéticas e dimensões afetivas das imagens. Tomando as fotografias como um diário visual, compartilha todo o trabalho de organização, sistematização e problematização em torno da “imagem fenômeno”.

Com o recorte feito sobre o Cais Mauá, na cidade de Porto Alegre (RS), Jose Luís Abalos Junior nos traz, no artigo “Um porto em contradição: transformações urbanas, memória política e narrativas visuais no processo de revitalização do Cais Mauá em Porto Alegre-RS”, a utilização da fotografia enquanto memória visual. Para tanto, lança mão dos procedimentos de uma etnografia da duração para pensar o Cais Mauá, em um contexto marcado por tensões entre concepções provincianas e modernas, e também por períodos áureos e de decadência. Nesse cenário, o autor situa a própria experiência de pesquisa e de contato com os coletivos de ativismo que, atualmente, defende um uso social e coletivo daquele lugar. Também no caminho da duração, Pedro Paulo de Miranda Araújo explora a produção imagética dos habitantes da Bacia do Una no artigo “Drenagem, saneamento e transformações urbanas: acervos fotográficos como expressão da memória ambiental na Bacia do Una em Belém (PA)”. Transitando entre ativistas sociais, moradoras/es das áreas de enchentes, o autor nota diferentes memórias e níveis de inclusão. Para explorar e compreender tal contexto, ele realiza o diálogo entre as fotografias feitas pelas/os moradoras/es, as biografias e narrativas das/os mesmas/os, destacando a forma como as imagens se relacionam com o processo de judicialização da situação e com os sentidos e experiências das/os moradoras/es. A cidade de Belém é explorada, imageticamente, no artigo “Paisagens itinerantes: um projeto antropológico e visual entre os bairros da Cidade Velha e da Cidade Nova, em Belém, PA” de John Fletcher Couston Junior. Por meio do diálogo entre entrevista e fotografias, o autor demonstra as temporalidades, experiências e percepções de algumas/ns moradoras/es, destacando suas relações com os lugares e valorizando uma perspectiva microssociológica.

No artigo “Fotografia como dispositivo didático voltado para a construção do conhecimento do espaço geográfico na escola: a experiência no mocambo (SE)”, de autoria de Fernando Barbosa Oliveira Correia, Renato Izidoro da Silva e Anne Alilma Silva Souza Ferrete, as imagens são tomadas como meio de construção do conhecimento geográfico e, mais especificamente, como mediações representacionais que ligam os sujeitos às realidades observadas. Tais autoras/es demonstram as etapas de um processo de educação imagéticas no colégio estadual Quilombola 27 de Maio, no povoado de Porto da Folha (SE). 

A seção Ensaios Fotográficos está composta por dez trabalhos que tentam captar a essência da cidade e algumas das relações interpessoais estabelecidas neste contexto urbano. O ensaio “Cantigas de Reis: a tradição de Folia de Reis em Londrina (PR)”, de André Camargo Lopes, nos traz uma bela manifestação religiosa promovida pela Companhia de Reis Santa Luzia, na cidade de Londrina (PR). Já o material de “Suriname: muçulmanos e mesquitas”, de John da Silva Araújo, expõe as belezas das mesquitas e suas relações com as comunidades religiosas de origem javanesa ou de origem indo-paquistanesa (localmente chamados de hindustanis). A arquitetura da cidade também é o foco de Renata Alencar, que no ensaio “Memórias Visuais do Patrimônio”, reflete sobre a fotografia enquanto mecanismo de rememoração e percepção das tensões entre as edificações históricas e os avanços dos prédios e ruas. O tema urbano também é presente no ensaio “Entre o urbano e o sagrado: performance Corpore et Tempvs”, no qual Amanda Barros Melo, Denise Sá e Nihannah Naiade Barbosa realizam uma performance em que são exploradas as interações e situações que envolvem transeuntes próximos da Capela de Nosso Senhor dos Passos, no centro histórico de Belém (PA). Já no trabalho "Para São Benedito", Pablo Monteiro se vale da experiência visual para explorar as especificidades do Tambor de Crioula em belas imagens dessa manifestação cultural no município de Alcântara, no Maranhão.

O urbano também é trabalhado no ensaio “Espaço de transição urbano/rural: construção de um saber imagético a partir de um saber local”, de Daniel dos Santos Fernandes, que demonstra o trabalho do artista, muralista e grafiteiro Anderson Santos, gravado nos muros, postes e outras estruturas urbanas de um município localizado a 113 km de Belém (PA). O mercado da cidade de Bragança (PA) é o cenário privilegiado no ensaio performático “Sophia Flaneur: em busca da aura perdida”, de Pedro Olaia e Jessica Leite. As tensões e relações entre o passado e o presente, e cidade e memória, são o tema do ensaio “Recortes sobre a luz: transformação do espaço urbano e a gentrificação da luz na Ilha da Magia (Florianópolis)”, produzido por Diego Pontes. Já no ensaio “Riscos do Ver-o-Peso”, Lorena Tamyres Costa nos traz uma detalhada narrativa visual sobre o trabalho minucioso de um tatuador, e as relações estabelecidas nesse contexto de produção de tatuagens. A seção é finalizada com o ensaio “O Círio de Nazaré em Belém do Pará, visto da Pedra do Peixe do Ver-o-Peso”, de Luiz de Jesus Dias da Silva e Carmem Izabel Rodrigues, que demonstram de forma detalhada como o cotidiano do Ver-o-Peso é alterado por conta da concentração relacionada ao Círio de Nossa Senhora de Nazaré, nos dias de procissão.

A seção Vídeos é iniciada com o trabalho “Pare, olhe e escute”, do Coletivo NÓDOA, que narra uma luta territorial, em uma área rural de São Luís (MA), na qual estão envolvidas  a comunidade do Cajueiro (pertencente à área) e a WPR Gestão de Portos e Terminais (vinculada aos grande projetos econômicos no estado do Maranhão). No interessante vídeo “O Homem da Meia-Noite no Terreiro da Xambá em Olinda”, Glauco Machado e Oswaldo Giovannini Junior, trazem uma narrativa em 360 graus a respeito do famoso boneco gigante da cidade de Olinda (PE). Ainda nesta seção, há o vídeo “Narradores urbanos, antropologia urbana e etnografia nas idades brasileiras: José G. Magnani”. Trata-se de uma produção do Banco de Imagens e Efeitos Visuais/BIEV que, ao mesmo tempo em que demonstra algumas formas de apropriações urbanas e particularidades da cidade de São Paulo (SP), traz também importantes experiências e narrativas do famoso antropólogo José Guilherme Magnani. O vídeo “Cartografias do Mof X”, produzido e dirigido por Lu Brasil, faz a narrativa visual e histórica de um dos maiores mutirões de grafite da América Latina, que ocorre anualmente na favela da Vila Operária, localizada em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense (RJ). O vídeo “Um aflorar de Vozes”, produzido por Kamila de Paula e Lorena Pinheiro, trabalha as emocionantes narrativas de moradores da primeira grande colônia para isolamento de portadores de hanseníase, em Igarapé-Açú (PA). A seção finaliza com o vídeo de Luiz de Jesus Dias e Carmem Izabel Rodrigues “Mercados e Feiras – Belém do Pará”, mostrando um pouco da rotina, das cores e das especificidades de importantes feiras da cidade, como um dos resultados do projeto de pesquisa “Mercados Interculturais: práticas, linguagens e identidades em contextos amazônicos”.

No único trabalho da seção Experiências Etnográficas, Bernardo Batista apresenta seu trabalho intitulado “Ressonâncias da rabeca na Marujada de Bragança (PA)”, relatando uma proposta etnográfica composta por uma breve pesquisa sobre a rabeca e a manifestação cultural popular da Marujada. Ele detalha o passo a passo do processo de inserção, o estabelecimento de contatos e a importância da reflexão em torno dos dados coletados como meio para pensar as próximas etapas teórico-metodológicas de sua pesquisa.

Nesta edição temos duas Entrevistas, Alessandro Ricardo Campos e Denise Machado Cardoso trazem, respectivamente, as valorosas contribuições de Cornelia Eckert Rocha, coordenadora do Núcleo de Antropologia Visual da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e da pesquisadora uruguaia Marcela Alejandra Blanco Spadaro, que também nos agracia com falas sobre antropologia visual, fotografia, cultura visual e vídeo.

Por fim, trazemos uma Resenha, feita pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Imagens e Cidades (LAEPCI), a partir do livro “Antropologia Audiovisual na Prática”, que é uma contribuição recente organizada pelas/os antropólogas/os Alex Vailati, Matias Godio e Carmen Rial. Trata-se de um livro que reúne onze importantes autoras/es de instituições brasileiras e argentinas, demonstrando um conjunto de experiências, temáticas e aportes teórico-metodológicos desenvolvidos por meio da inserção da fotografia, cinematografia e sons nos processos de pesquisa.

Este é o conteúdo de nosso dossiê Antropologia urbana e a produção do saber imagético. Acreditamos que contribuimos, de alguma forma, para fomentar esta discussão que envolve as cidades e as imagens, numa perspectiva que leve em conta as pessoas, as práticas culturais e os vários olhares que podemos estabelecer com esse objeto de pesquisa.

Jesus Marmanillo

Carmem Izabel Rodrigues

Alessandro Ricardo Campos