Luiz Eduardo Robinson Achutti



“Num mundo cada vez mais visual e com mais recursos e facilidades na produção de imagens, não se pode seguir numa Antropologia de calhamaços de verbos tediosamente justapostos”



  Fotógrafo, possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1985), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1996) e doutorado em Antropologia pela Universidade de Paris VII Denis - Diderot (2002). Atualmente é professor Associado III do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e esteve ligado ao Programa de Pós-Graduação Antropologia Social / UFRGS até 2014. É profissional da fotografia e pesquisa na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Visual, atuando principalmente nos seguintes temas: fotografia, arte, fotoetnografia, memória, antropologia e antropologia visual. Membro associado a PHANIE centre de l'ethnologie et de l'image - Paris e do Laboratório de Cronobiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA/UFRGS.



  Achutti foi um dos grandes nomes da Antropologia Visual no Brasil que estiveram presentes no I Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica (EAVAAM), que aconteceu nos dias 4, 5 e 6 de novembro de 2014 na UFPA, em Belém. Neste evento, fez uma palestra sobre sua pesquisa e uma exposição fotográfica intitulada “Luz e não luz: quando uma fotoetnografia colabora com uma pesquisa em saúde”. Ele é o criador da Fotoetnografia, método que utiliza as imagens como uma narrativa visual etnográfica, fornecendo um outro viés, onde as imagens somam-se ao texto possibilitando um abordagem mais agradável e rica, colaboram, complementando-se.

  Nesta entrevista, Achutti fala de sua formação como fotógrafo e antropólogo, seus projetos pessoais e a criação do seu conceito de Fotoetnografia.



  Alessandro Campos: Professor Achutti, o senhor já trabalha com fotografia desde 1975, mas só se torna antropólogo em 1985. O que o levou para esta área? Fale-nos sobre sua trajetória.

 

  Luiz Eduardo Achutti: Minha família é de Santa Maria, onde vivia meu avô por parte de pai, Bortolo Achutti, filho de um imigrante libanês. Ele era fotógrafo e farmacêutico e, no fim dos seus dias, aposentado como funcionário da Universidade Federal de Santa Maria. Eu o via nas férias e sua ligação com as imagens me influenciou muito, a ponto de eu fazer um curso em Porto Alegre na volta de uma das férias, em 1975, aos dezesseis anos.

 

  Em 1985 eu me formei em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Quando ingressei queria ser Sociólogo, mas depois descobri a Antropologia, que me fazia muito mais sentido.

 

  Fui para esta área porque eu não me sentia vocacionado para a área dos meus pais, que era a medicina, e também porque fui uma criança, um adolescente e um jovem que vivi sob os coturnos que se perfilaram em 1964 no meu país. O social sempre me interessou e o Socialismo por conseguinte.

 

  Entrei no curso em 1978 e logo tratei de buscar uma forma de juntar o fotógrafo meio perdido que eu era com o novo curso que tinha o social no nome. Quase nada puderam me ajudar porque a dita Antropologia Visual era pouco conhecida, livros não me indicaram, o assunto ficou no ar.

 

  Foi só no final e, sobretudo oito anos depois, quando para lá voltei para fazer meu mestrado, que as coisas foram ficando mais claras ou visionei um caminho.

 

 

  Alessandro Campos: Nos anos de 1980, o senhor criou um projeto pessoal de visitar, e, claro, fotografar, países de regime comunista. Como foi tudo isso?

 

  Luiz Eduardo Achutti: Eu me considerava fotógrafo - ou tentava - desde 1975, quando fiz um curso no Foto Cine Clube de Porto Alegre, quando ganhei uma Pentax SPF da minha mãe querida. Parecia bizarro um filho de dois médicos se meter na fotografia, nem meu avô fotógrafo apostou.

 

  Em 1978 entrei na Universidade e, ao mesmo tempo, fotógrafo, na saudosa e querida COOJORNAL, Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre – que publicou durante um tempo, em plena ditadura, o único jornal de Esquerda que resistiu por um período. Foi minha escola de jornalismo, ética e vida profissional.

 

  Fiquei na COOJORNAL até oitenta e poucos, quando passei a fotografar para a Sucursal do Jornal do Brasil em Porto Alegre. Nesta época juntava meu dinheiro para viajar, na verdade eu usava minhas férias ou períodos de menos demanda para viajar e fotografar.

 

  Meu projeto era fotografar o mundo socialista, os países socialistas. Para conhecer, conferir e depois trazer para Porto Alegre a minha visão. Eu pensava verdadeiramente em compartilhar minhas experiências.

 

  Comecei por Cuba que tem a mesma idade minha. A Revolução Cubana tem a minha idade, ou seja, estamos ambos velhos hoje. Depois, fui para a Nicarágua que eu julgava estar repetindo um processo cubano mas não era. Logo adiante fui conhecer a Alemanha Comunista – naquela época o mundo ainda estava dividido, era um mundo menos hipócrita do que é hoje.

  Neste mesmo ano de 1989, o dito Socialismo Real acabou, derrotando meu projeto de documentação de longo prazo.

 

 

  Alessandro Campos: O seu conceito de fotoetnografia é amplamente utilizado por estudantes e pesquisadores. Para quem ainda não leu algumas de suas obras como Fotoetnografia, Cotidiano, Lixo e Trabalho – Vila Dique (1997) e Fotoetnografia da Biblioteca Jardim(2004), fale sobre a o seu conceito de fotoetnografia.

 

  Luiz Eduardo Achutti: Ainda na graduação eu buscava umaforma de juntar meus interesses: meu ser fotógrafo com meu ser sub-político, interessado no social. Mas foi apenas no Mestrado que consegui, quando trabalhei com a primeira experiência no Brasil de um grupo de mulheres que viviam da separação de lixo -  as Catadoras da Vila Dique, em Porto Alegre. Nesta ocasião, eu e minha amiga orientadora Dra. Ondina Fachel Leal avançamos, ela me incentivou a verdadeiramente propor a fotografia como uma forma narrativa visual, que nunca tinha sido proposta. Foi quando então eu visualizei a forma gráfica de separar a palavra FOTO GRAFIA e colocar o ETNO na separação.

 

  FOTOETNOGRAFIA é a fotografia utilizada como forma narrativa na perspectiva das pesquisas antropológicas e informada pela ética e conhecimentos da Antropologia.  Ou seja, não mais como até então, fotografia mera forma de registro ou produção de “documentos” anexos e secundários, mas sim como forma de discorrer sobre entendimentos antropológicos.

 

  Num mundo cada vez mais visual