ENTRE CIÊNCIA E ARTE:
O MÉTODO ETNOGRÁFICO DO CINEMA DE JEAN ROUCH

Luiz Adriano Daminello [!]


Resumo

O presente artigo explicita as influências artísticas e científicas que embasaram a criação do método de abordagem etnográfico e do estilo cinematográfico do “cinema verdade” utilizado pelo cineasta Jean Rouch, que em contato com artistas, antropólogos e sociólogos, e vivência no cotidiano do continente africano a partir da década de 40, produziu uma enorme quantidade de filmes, alguns deles entre os mais relevantes do cinema etnográfico.

Palavra-chave: Filme etnográfico, documentário, etno-ficção, cinema-verdade, Jean Rouch, imagem compartilhada, antropologia visual.




Abstract

This article explicits the scientific and artistic influences that supported the creation of the ethnographic approach methodand the cinematic style of "cinema vérité" used by Jean Rouch, He, with artists, anthropologists, sociologists and experiencingthe daily life of Africa from the 40s, produced a lotof films, some of them among the most relevant of the ethnographic cinema.

Keywords: ethnographic film , documentary, ethno -fiction , cinema vérité, Jean Rouch , shared image , visual anthropology

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ENTRE CIÊNCIA E ARTE:
O MÉTODO ETNOGRÁFICO DO CINEMA DE JEAN ROUCH



Luiz Adriano Daminello [!]

Jean Rouch e a etnografia

Quando, na década de 40, Jean Rouch começou seus estudos no campo da etnografia, ele embarcou no curso histórico de transformação de uma disciplina que teve origem na segunda metade do século XIX. Nos primórdios, os evolucionistas, primeira escola de etnólogos, acreditavam ser universal a existência de “estados de desenvolvimento” das sociedades que iam da “selvageria” à “civilização”. Segundo eles,cabia à nova disciplina conduzir todos os povos para esta última condição e, para tal, criaram métodos racionais e cartesianos que dessem conta de explicar e sobrepujar outras formas de conhecimento que não o científico e religioso do mundo europeu. Nas suas origens, a etnologia era uma disciplina extremamente etnocêntricae, principalmente, eurocêntrica.

Depois do embate entre os evolucionistas e difusionistas no século XIX (POIRIER, 1981), outras correntes surgiriam no século XX, principalmente na França, com a introdução dos estudos dos fenômenos sociais como parte da antropologia feita por Durkheim e Marcel Mauss. Como resultado desse avanço, a antropologia torna-se disciplina a partir de 1927 no recém-criado Institut d´EthnologieduMusée de l´Homme. Não cabe aqui explicar o que foram essas correntes, mas apenas deixar claro que, apesar de suas diferenças metodológicas ou conceituais, elas estavam ainda um tanto ligadas à ideia de superioridade das civilizações caucasianas.

Até esse momento havia uma repartição de tarefas,de tal maneira que os pesquisadores eruditos analisavam e interpretavam informações que eram trazidas por viajantes. Nesse contexto nasce nos EUA o relativismo cultural de Franz Boas e na Inglaterra surge o funcionalismo, tendo como maior representante Bronislaw Malinowski. Ambos provocam uma grande virada na prática antropológica,privilegiando a pesquisa em campo e a observação participativa feita pelo próprio estudioso.

Boas foi, incontestavelmente, o grande mestre da antropologia americana, mas foi Malinowski quem dominou a cena na Europa. Este ainda acreditava que deveria haver uma transformação, uma “evolução” nas sociedades ditas primitivas. Porém a atuação da sociedade “civilizada” sobre elas não deveria ser direta, pois era preciso respeitar e conhecer as funções necessárias das atividades culturais para que fosse eficiente modificá-las. Segundo o funcionalismo, a transformação da ciência tem origem nas mudanças das necessidades práticas do homem. E essas necessidades humanas obedeciam a um funcionalismo psicológico baseados nas necessidades biológicas.

Existe nessa posição um embate entre o método de colonização Inglês com o Francês. Enquanto os franceses tentavam a administração direta de suas colônias, enfrentando todo tipo de resistência, os ingleses acreditavam que não era possível transformar os africanos, como que por encanto, em civilizados.

O controle indireto era o único meio de desenvolver a vida econômica e a administração racional de um pais, atribuindo-se o encargo das mudanças de moral, justiça, educação, religião e arte aos próprios nativos, pois eles saberiam efetuar as transformações preservando as linhas de sua própria cultura – portanto sem renegar a si mesmo. [1]

Rouch, durante o seu percurso de cineasta, vai estar inserido dentro do processo de questionamentos do eurocentrismo e também nesse embate entre os métodos de “aculturação” praticados pela Inglaterra e pela França.

Embora o quadro seja complexo demais para um resumo conveniente, a política colonial francesa, em linhas gerais, foi de assimilation – transformar os africanos “selvagens” em negros e negras franceses “evoluídos” -, ao passo que a política colonial britânica interessou-se bem menos por formar os anglo-saxões negros da visão de Crummell. [2]

Esse dilema vai estar bem evidente em dois de seus filmes: o primeiro é Lesmaîtresfous, ondeRouch mostra a crueldade do processo de colonização na África em detrimento da imagem dos administradores ingleses,e no qual ele não comenta aspectos da administração francesa também presentes no filme. Da mesma maneira, emLapyramidehumaine,há a indignação às notícias que chegam sobre a violência do ‘apartheid’ na colônia inglesa da República da África do Sul em contraponto à uma aparente paz ou liberdade vivida na colônia francesa da Costa do Marfim. Em um momento final do filme, aquecem as discussões sobre a posição francesa em relação ao ‘apartheid´ da África do Sul. Denise, a aluna africana, critica o não posicionamento da França na questão. Alain, o aluno francês, defende que o olhar francês deve ser voltado para os problemas da Costa do Marfim, e se irrita bastante quando há a tentativa de comparação entre ingleses e franceses. Esses dois exemplos deixam claro a existência de comparações quanto aos métodos de colonização dos dois países, tentando de certo modo justificar ou amenizar a postura francesa.

Voltando a Malinowski, ainda segundo ele, era preciso primeiro conhecer a cultura de um povo para depois mudá-la e, para isso, era importante a etnografia. Tanto que ele vai treinar os novos gerentes das colônias inglesas e sensibilizar etnólogos com interesses práticos, e não com o mesmo enfoque dos antigos estudos dos aspectos mais exóticos da cultura, mas nos aspectos cotidianos da vida. Em seguida Malinowski vai também à França tentar introduzir seu método, na École d’Administration des Territoires d’Outre-Mer.

Mas é na sua prática inovadora e intensiva de “observador participante”que podemos enxergar maiores relações de Malinowski com o trabalho que viria a ser desenvolvido por Rouch.

Compreendendo que o único modo de conhecimento em profundidade dos outros é a participação em sua existência, ele inventa literalmente e é o primeiro a pôr em prática a observação participante, dando-nos o exemplo do que deve ser o estudo intensivo de uma sociedade que nos é estranha. (...) Malinowski nos ensinou a olhar. Deu-nos o exemplo daquilo que devia ser uma pesquisa de campo, que não tem mais nada a ver com a atividade do “investigador” questionando “informantes”. [3]

Contemporâneo de Malinowski, Marcel Mauss é quem vai ser o grande incentivador da coleta intensiva de dados das sociedades estudadas. Segundo ele, a compreensão só poderia vir do estudo dos vários aspectos presentes na sociedade de forma a recompor o todo. A ele devem ser associados os nomes de dois pioneiros do registro das imagens animadas na etnografia francesa: “Patrick O’Reilly, um dos pioneiros do cinema etnográfico na França, e Marcel Griaule, um dos primeiros etnólogos, se não o primeiro, a usar a imagem animada como auxiliar da pesquisa etnográfica.” [4]

Mauss recomendava a seus estudantes que usassem a câmera para filmar o que se passasse ao redor. Eles não deveriam movê-la, era uma testemunha verdadeira e era apenas filmando esses filmes que alguém poderia estudar gestos, vivencias e técnicas.[5]

Jean Rouch deve muito da sua introdução no mundo da etnografia a Griaule. No ano de 1940 e 1941, numa Paris ocupada pela Alemanha, ele e seus amigos Jean Sauvy e Pierre Pontyvisitavam à tarde, algumas vezes por semana, o Museu do Homem, onde podiam assistir explicações de Marcel Griaule sobre aspectos religiosos de povos africanos. E à noite, na Cinemateca, local de encontro da resistência francesa, assistiam à filmes apresentados por Henri Langlois. Nesse mesmo período Rouch participou de um curso de Marcel Griaule na Etiópia. O interesse pelas ciências humanas era, segundo ele, o contraponto irracional para a racionalidade dos seus estudos de engenharia.

Rouch decide sair da França e vai trabalhar no Níger, construindo pontes e estradas e fazendo filmes etnográficos. Foi nesse trabalho que ele começou a ter contato mais íntimo com o povo Songhay através da grande amizade que iria desenvolver com um operário com o qual trabalhava, DamouréZika. Guiado por ele, Rouch passou a ter acesso a vários aspectos culturais desse povo. Essa maneira de se aproximar não era simplesmente um método científico, mas uma maneira pessoal de Jean Rouch lidar com o Outro. Podemos dizer que a antropologia participante estava presente na vida de Rouch antes de ele iniciar suas atividades etnográficas. Através da amizade com Damouré, ele passa a assistir a várias cerimônias de possessão do povo Songhay. Rouch envia as anotações que faz para Marcel Griaule que irá, a partir daí, orientar seus estudos. Rouch vai então abandonar sua carreira de engenheiro e dedicar-se exclusivamente à etnografia.

Eu trabalhei no Departamento Africano no Musée de l’Homme em uma estranha febre de descobertas. A Paris intelectual dos anos 30 estava definitivamente morta e o surrealismo era apenas uma maravilhosa memória que as novas correntes intelectuais não podiam repor. As ciências humanas estavam se confinando nos caminhos do rigor, do culturalismo, da linguística, do estruturalismo, do Marxismo. Claude Lévi-Strauss, tomando o ônibus 63 do Arrondissement 16 para as vizinhanças da Sorbonne, revisando a leitura que ele iria fazer no Collège de France em frente do sarcástico André Breton. André Leroi-Gourhan criou, com o Comité Français de RechercheEthnographique, um recrutamento regular de antropólogos, como se até então a nossa disciplina tivesse sido feita somente por amadores. E eu descobri o cinema etnográfico.[6]

Griaule era discípulo de Mauss e defendia uma combinação de pesquisa intensiva com pesquisa extensiva. A pesquisa intensiva era composta detrês etapas: pesquisa de campo por tempo prolongado, que deveria ser feita por equipes multidisciplinares, documentação intensiva e finalmente uma iniciação feita pelo diálogo com os mestres dos rituais. Já a pesquisa extensiva era a comparação dos dados obtidos no estudo dessa sociedade com as sociedades vizinhas.

Se por um lado há nesse momento uma defesa enorme quanto à observação participativa, onde o pesquisador deve deixar-se naturalizar pelos modos de pensamento da sociedade que pesquisa, chega o momento do distanciamento que é inerente à prática científica.

De fato, o que vivem os membros de uma determinada sociedade não poderia ser compreendido situando-se apenas dentro dessa sociedade. O olhar distanciado, exterior, diferente, do estranho, é inclusive a condição que torna possível a compreensão das lógicas que escapam aos atores sociais. [7]

Essa necessidade de distanciamento seria uma das condições que recomendaria que o estudo antropológico de uma sociedade não fosse feito apenas por pessoas dessa sociedade, posição não compartilhada por OusmaneSembène, escritor e cineasta senegalês, crítico do trabalho de Jean Rouch, que considerava sua etnografia fílmica muito imagética e pouco analítica.

Quase uma década depois de Moi, unNoir, o escritor e cineasta senegalês OusmaneSembène perguntou a Rouch o que ele achava que os Europeus deveriam fazer caso os Africanos começassem a fazer filmes por conta própria. Rouch respondeu que ser um Europeu era ao mesmo tempo uma vantagem e uma responsabilidade, porque quando colocado em frente a uma cultura que não é a sua própria, o Europeu via coisas que aqueles que pertenciam àquela cultura nem sempre viam. Sembéne contestou que especialmente no reino do cinema, tem-se que analisar além de ver. Então, ao invés de meramente dizer que um homem que alguém vê está andando, é preciso que se saiba de onde o homem que aparece na tela vem vindo e para onde ele está indo. [8]

A “observação participante”, que implicava uma imersão na sociedade que estava sendo estudada, acompanhada de um distanciamento que permitisse uma compreensão lógica dos fatos, passou a ser a recomendação para quem praticava a antropologia, que se pretendia uma ciência, portanto racional, cujo ideal era ter acesso ao conhecimento,nem sempre racional, de outra população. Mas os pesquisadores acabavam por simpatizar com o conhecimento não racional e criavam o que Laplatine chamou de “antropologia mansa”, que era mais solidária com o conhecimento dos outros povos do que com o conhecimento racional da ciência que praticavam.

Essa imersão na vida do Outro foi provavelmente um dos aspectos da etnografia que mais interessaram Rouch e que foi utilizada ao extremo a ponto de Paul Stoller denominar a sua antropologia de “radicalmente empírica”. [9] E desse material estabelece a sua realidade. Seus filmes e seu método de trabalho caminharam cada vez mais para uma etnografia participante, na qual o etnógrafo se aproxima ativamente da vida da sociedade que está investigando. Rouch fez disso seu projeto de vida, tornando-se amigo daqueles que investigava, procurando encontrar uma relação de respeito e compartilhando seu conhecimento com o outro. Rouch vai além, utilizando-se do método de “sucessivas aproximações”.

Isto implicava que, em qualquer circunstância ele nunca deveria permanecer passivo, ele deveria incansavelmente procurar entender e refletir sobre tudo que estava presenciando e esforçar-se para interpretar a questão. [10]

A partir do filme Lesmaîtresfous, podemos ver cada vez mais Rouch simpatizando com os aspectos da sociedade africana e inserindo pontos de vista críticos à sua sociedade ocidental. Como exemplo, podemos citar, já nesse filme, a intenção de não apenas documentar um ritual dos Haukas, mas também a ironia de estar registrando uma espécie de crítica à sua própria sociedade colonizadora. Além da intenção de olhar o Outro, havia a de querer se olhar também. Um olhar reflexivo, feito indiretamente pelo olhar direto sobre o Outro.

Mas o aspecto principal é que este “jogo” não é, obviamente, gratuito: ele age como a “inversão maligna” e o reverso violento do “drama” da colonização e submissão dos homens ao regime que os aniquila. O que afinal é exibido não é a inferioridade ou a selvageria de certos homens em relação a outros, mas a “crueldade” das relações que unem os colonizados a esses “mestres”, os colonizadores. [11]

Rouch, depois das interrupções causadas pela II Guerra, continua seus estudos com Griaule e, seguindo a sua orientação, coleta dados e faz seus filmes. Griaule é autor de dois filmes, Aupaysdesdogon(1938)e Sousles masques noirs(1938). Em 1948 Griaule colabora com Rouch na realização de Lesmagiciens de Wanzerbée, segundo Lourdou, “foi atendendo a um pedido seu e em sua presença que Rouch filmou Cimetièredanslafalaise (1952), com a participação dos dogons”.[12]

Os primeiros trabalhos cinematográficos de Rouch, seguindo as orientações de Marcel Griaule, têm a marca dos chamados filmes de etnografia pura, observação e registro de aspectos culturais ancestrais e típicos da etnia documentada. Mas, se Griaule ainda visualizava o registro de imagens animadas como material auxiliar na pesquisa etnográfica, Rouch vai ter um papel importante no sentido de elevar o filme etnográfico como um produto de pesquisa independente que levaria mais tarde ao reconhecimento da Antropologia Fílmica como disciplina.

Após concluir o doutorado, Rouch publica Contribution à l’histoiredesSonghay em 1953, LesSonghay em 1954 e um ensaio fotográfico Le Nigerpirogue em 1954. Os escritos são extensas coleções de dados, sem uma conclusão racional sobre eles, e que cumprem uma etapa de sua formação acadêmica. Rouch vai continuar com seus filmes na África, mas não mais escreverá monografias etnográficas. “Para mim, o filme é um meio de expressão completo, e eu não vejo necessidade de escrever antes do filme, durante ou depois”. [13]

No início dos estudos do cinema etnográfico, quando foi criado o Comité duFilmEthnographique, a ideia de colocar a pesquisa em imagens como algo independente e anterior à pesquisa etnográfica escrita foi algo não muito bem recebido pelas Universidades. O Comitê discutiu os problemas do filme etnográfico em vários países, mas acabou sobrevivendo somente na França. Apesar disso, a tendência que desvalorizava a necessidade da escrita sobre o trabalho de documentação visual, como os trabalhos realizados por Rouch, ganhou cada vez mais respeito, sob o argumento de que um estudo científico escrito sobre outras sociedades seria uma forma de dominação, conforme os questionamentos que a própria etnografia se colocava naqueles tempos.

O que é evidenciado nessa perspectiva é o caráter assimétrico da relação entre o observador e o observado, a dominação que uma civilização estaria impondo deliberada ou dissimuladamente a todas as outras, e a natureza, considerada repressiva, da ciência, que seria a racionalização desse processo. Preconiza-se então uma relação empática, igualitária e convival, que proporcionaria a possibilidade de dessolidarizar-se do mundo europeu (...). Opõe-se então radicalmente a sabedoria das sociedades tradicionais à violência frenética da sociedade racionalista, da qual a antropologia seria cúmplice. Finalmente, considera-se que o que é separado pela barreira das culturas não deve ser reunido, nem mesmo pelo pensamento teórico. [14]

Para Rouch, a antropologia clássica escrita era opressora porque, por ser escrita, não permitia o “feedback” para as sociedades pesquisadas:

Vamos fazer uma comparação entre antropologia clássica e antropologia visual. Na primeira, você pega um profissional de uma universidade prestigiada e ele vai para algum lugar remoto, onde as pessoas usualmente não têm linguagem escrita. Apenas por fazer a investigação, as pessoas do lugar ficam embaraçadas e a rotina do lugar é modificada. Quando a pesquisa se completa, o antropólogo retorna para a universidade, escreve a dissertação e possivelmente recebe distinção no meio acadêmico. Qual é o resultado para aqueles que foram pesquisados? Nenhum. [15]

A prática etnográfica tinha levantado questões éticas ao longo do seu desenvolvimento. Havia na França no pós-guerra, uma crise quanto às posições coloniais. As relações de poder desiguais constrangiam os trabalhos dos etnógrafos. Como disse François Laplantine “parece-me que a antropologia tem todas as chances de engajar-se em um impasse, em um desvio em relação ao modo de conhecimento que persegue, toda vez que um dos pólos em questão domina o outro.” [16]

Quando o discurso sobre o outro tende a dominar o discurso do outro, degenera habitualmente em um discurso à revelia do outro, podendo contribuir na morte do outro (e na morte das civilizações).[17]

Nesse ponto, passamos a nos perguntar com qual finalidade fazemos filmes etnográficos.As questões éticas que se colocam em qualquer documentário, mas de forma ainda mais relevante no caso do filme etnográfico, é o que vai acontecer com as pessoas filmadas durante e depois das filmagens. O filme, como processo e obra, vai certamente alterar a vida dos filmados e isso pode ser bom ou ruim. A responsabilidade sobre esse efeito pode ser grande. Durante o processo de filmagem, quais desejos e ilusões estaremos incutindo nos filmados quando mostramos a eles tecnologias, mitos e processos de produção de imagem no sentido literal e figurado da expressão? Ao exibirmos o filme para um público, a imagem que iremos apresentar do filmado pode alterar a visão que se faz dele. Essa alteração pode criar vantagens e desvantagens em vários aspectos, o que novamente implica responsabilidades.

Se o simples fato de registrarmos uma imagem do Outro pode gerar tantos problemas éticos, o que diríamos dos fins dados às imagens. Esse é outro grande dilema que advém da prática etnográfica e que leva a questão para a discussão política, além da científica.

Bill Nichols, em seu livro IdeologyandtheImage, começa o capítulo intitulado “Documentary, criticism, andtheethnographicfilm”, afirmando que “a questão central colocada pelo filme documentário é: ‘Whatto do withpeople’”. Em seguida, partindo da premissa de que “o filme documentário nos informa sobre situações ou eventos históricos e frequentemente representa pessoas que estão envolvidas nessas situações e eventos”, Nichols faz as seguintes perguntas: “Como essas pessoas devem ser representadas? Que investimentos em nível de desejo vão ser trazidos à tona e que posições vão ser demarcadas para o espectador? Até que ponto nosso reconhecimento de uma realidade pró-fílmica, externa, mas descrita pelo filme, pode ser contrabalançado por nosso conhecimento de que essa realidade permanece um contruto, uma aproximação e re-apresentação, à qual não temos verdadeiramente direto e livre acesso? O que pode proporcionar o documentário em termos de entendimento sobre como as pessoas se organizam em coletividades, como estabelecem sentido e valores, como conduzem e compreendem as interações sociais em curso?”[18]

A dúvida que passou a existir era qual o fim dado pelos administradores ao conhecimento adquirido de outra cultura através da pesquisa etnográfica, levando alguns a chamarem a antropologia de “a grande prostituta”. O objetivo dessa indagação é localizar Jean Rouch nesse contexto. Sua posição revela uma tentativa de estar atento a esses problemas,prenunciando a direção que o pensamento antropológico ia seguir ao longo dos anos subsequentes, que seria o de cada vez mais ter métodos menos invasivos e dominantes.

“Para que e por que eu aponto a câmera para um ser humano?” Minha primeira resposta, estranhamente, será sempre a mesma: “Por mim”. Não porque é algum tipo de droga cujo hábito deve ser regularmente satisfeito, mas porque eu acho que em certos lugares, perto de certas pessoas, a câmera, e especialmente aquela de som sincrônico, me parece necessária. Claro que só será possível justificar este tipo de filmagem cientificamente (criando arquivos de culturas em transformação ou extinção), politicamente (compartilhando a revolta contra uma situação intolerável) ou esteticamente (descobrindo o frágil mistério de uma terra distante, um rosto ou um movimento que é irresistível). Mas, de fato, o que há é uma intuição repentina sobre a necessidade de filmar, ou ao contrário, a certeza que alguém não deveria filmar. (…) minha segunda resposta para “Para quem e por quê?” Filme é o único modo que eu tenho para mostrar para alguém como eu o vejo. Para mim, depois do prazer do ciné-transe em filmar e editar, meu primeiro público é o outro, aqueles que eu filmei. A situação é claramente esta: o antropólogo tem à sua disposição a única ferramenta (a câmera participante) que oferece a ele a extraordinária possibilidade de comunicação direta com o grupo que ele estuda – o filme que ele fez sobre eles. [19]

Os conceitos que Rouch iria desenvolver sobre a postura do registro fílmicocomo método etnográficotiveram início a partir de indagações provocados pelo filme LesMaitresFousque trata de rituais que surgem da migração de populações para as novas cidades e do encontro entre colonizador e colonizado. O filme foi acusado por alguns, inclusive por seu orientador de doutorado Marcel Griaule, de incentivar o preconceito contra os africanos ali retratados, pela visão não explicativa do ritual filmado, que continha cenas envolvendo possessão e morte de animais.

Marcel Griaule, meu orientador de doutorado, estava vermelho de ódio: ¨É preciso destruir esse filme imediatamente...¨ e o primeiro cineasta africano, PaulinVieyra, então aluno do IDHEC (InstitutdesHautesÉtudesCinématographiques) e crítico de filmes da revista PrésenceAfricaine, estava cinza de raiva:”Jean, pelo menos uma vez eu concordo com o professor Griaule, este filme é um escândalo, é preciso destruí-lo”. Sozinho, o etnólogo-cineasta Luc de Heusch (futuro professor da Universite Livre de Bruxelles) reagiu favoravelmente: ”Jean, não os escute! Em dez anos esse filme será clássico...”. [20]

A polêmica gerada por este filme foi possivelmente a alavanca propulsora para Rouch adotar um método de psicodrama e etnografia compartilhada nos seus filmes posteriores e assim diminuir a posição de isolamento e superioridade em relação ao objeto que estava documentando. Na minha hipótese, após a recepção desse filme, Jean Rouch viveu o conflito de querer distanciar-se de posições consideradas colonialistas, porém sem abandonar seu desejo etnográfico e cinematográfico com o povo Africano.

Os trabalhos de Jean Rouch mais conhecidos, que vão do período de produção do filme Lesmaîtresfous em 1955, até Chronique d'unété em 1960, passando por filmes emblemáticos como Jaguar (1954-1967), Moi unNoir (1958) e La pyramidehumaine (1959) parecem revelar uma fase importante na transformação da produção do cineasta, assim como para a história do cinema e do documentário. Esses filmes são produtos do seu questionamento sobre sua posição de documentarista e etnógrafo, homem “branco civilizado”, de nacionalidade do país que era o colonizador do povo africano objeto de seus filmes.

Mas, se qualquer tentativa de estudar e compreender outra cultura poderia significar uma atitude de dominação, o que significaria então uma postura ética na realização de registros etnográficos? Jean Rouch tinha consciência dos problemas que surgiam da visão ocidental que era feita das imagens registradas por ele sobre os costumes e rituais africanos. Porém, ele tenta equilibrar essas diferenças criando mecanismos de linguagem que dão voz e parte da criação dos seus filmes aos africanos que documenta e que era chamada de “antropologia compartilhada”.

Quando Rouch divide a realização da imagem e a produção de seu conteúdo com as pessoas que aparecem na cena, ele não está necessariamente garantindo que a produção da imagem não cause alguma visão distorcida ou prejuízo a quem está sendo filmado. Mas está dividindo a responsabilidade dos efeitos com o Outro. Sendo assim, o que resta a ser feito para que haja uma relação e ao mesmo tempo ela não resulte em atitudes de dominação, é uma participação da sociedade do Outro, tentando evitar a identificação integral com o Outro ao mesmo tempo em que se tenta evitar a identificação integral consigo mesmo.

O outro é uma figura possível de mim, como eu dele. Esse descentramento mútuo do observador e do observado não pode mais ser, no final dessa experiência, o sujeito transcendental do humanismo. Mas nem por isso as identidades de uns e outros estão abolidas, passam a ser apreendidas do interior mesmo de sua diferença, isto é, a partir de uma relação. [21]

Em 1954 Rouch decide exibir o filme Bataillesurlegrandfleuve (1952) em Ayoru e a audiência participa ativamente, pedindo para assistir ao filme várias vezes e depois fazendo críticas a alguns de seus aspectos, dizendo que era preciso ter mais hipopótamos e menos música, e que o barulho poderia afastar os hipopótamos. Nesse mesmo eventoele e seus amigos Damouré Zica e IlloGaoudel, resolvem fazer o filme Jaguar sobre a aventura de jovens Nigerinos que migram para a Costa do Ouro, inaugurando assim seus filmes ditos “de improvisação” ou “psicodramas”, cuja realização sempre foi compartilhada com os africanos.

Em 1969 ele projetou o filme Sigui 1969 em uma vila do Bongo, onde ele foi filmado, e a reação dos participantes foi de demanda por mais filmes. Conforme declarou, estudando o filme em uma moviola com os informantes, obteve mais informações em duas semanas do que em três meses de observação e entrevistas.

Este tipo de trabalho posterior é apenas o começo do que já é um novo tipo de relacionamento entre o antropólogo e o grupo que ele estuda, o primeiro passo no que alguns de nós chamaram de “antropologia compartilhada”. (...). E, pela primeira vez, o trabalho é julgado não por um comitê de teses, mas pelo povo que o antropólogo foi observar. Esta extraordinária técnica do “feedback” (que eu traduzo como “reciprocidade audiovisual”), certamente ainda não revelou todas as suas possibilidades. (...) Este tipo de pesquisa totalmente participante, tão idealista quanto parece, acho que é a única atitude antropológica moralmente e cientificamente plausível atualmente. [22]

A crise de consciência da etnografia acontecia paralelamente e em consequência à crise do modelo colonial europeu.

Uma década rápida, de 1950 até 1960, viu o fim do império tornar-se um projeto largamente aceito, senão um fato consumado. A “situação colonial” de Georges Balandier tornou-se rapidamente visível (1955). Relações imperiais, formais e informais, não eram mais as regras aceitas do jogo – eram reformadas gradativamente ou ironicamente afastadas de várias maneiras. Poderosas desigualdades duradouras tinham claramente constrangido práticas etnográficas. Esta “situação” foi sentida primeira na França, muito por causa dos conflitos do Vietnã e da Algéria e através dos escritos de um grupo etnograficamente atento de negros intelectuais e poetas, o movimento negritude de AiméCésaire, LéopoldSenghor, René Ménil, Léon Damas. As páginas de PrésenceAfricaineno início dos anos 50 ofereceram um fórum não usual de colaboração entre esses escritores e cientistas sociais como Balandier, Leiris, Marcel Griaule, Edmond Ortigues e Paul Rivet.[23]

O neocolonialismo havia surgido com o avanço do capitalismo após a Revolução Industrial e a independência do continente americano. Os países da Europa promoveram então uma conquista dos mercados na Ásia e na África e a disputa por esses territórios levou a Europa às duas Guerras Mundiais. Entre os países que participaram da partilha da África, após a Conferência de Berlim em 1884, estavam a Bélgica, a França, a Alemanha, a Grã-Bretanha, a Itália, Portugal e Espanha.

A França ocupou grande parte Ocidental, Central e ao Norte da África, dividindo a região em territórios que não obedeciam às diferenças étnicas nem culturais dos povos colonizados, o que viria ser a grande causa dos conflitos internos no continente. Após a independência desses territórios de dominação francesa, que aconteceu a partir de 1957, constituíram-se os seguintes países: Marrocos, Tunísia, Guiné, Camarões, Togo, Senegal, Madagáscar, Benin, Níger, Burkina Faso, Costa do Marfim, Chade, Congo, Gabão, Mali, Mauritânia, Argélia, Comores e Djibouti. Mesmo após a independência, muitos desses territórios permaneceram sob a administração francesa.

Quando Jean Rouch foi trabalhar na África em 1941, ele era apenas um construtor de estradas, mas já com um grande interesse pela etnografia e pelo cinema. Os filmes que ele faria até Lesmaîtresfous(1955), incluindo este, talvez estivessem ainda carregados da postura etnográfica dos povos colonizadores. Mas isso vai mudando exatamente no período em que há o processo de independência das nações africanas. Para a etnografia, apesar de continuar estabelecendo um modelo de relação desigual onde existem grupos “doadores” e grupos “receptores”, são tempos de transformação. Segundo Roger Bastide, ela vai desenvolver-se para além de seu campo inicial, ampliando a abordagem das relações humanas.

(...) civilizados e selvagens no período pré-colonial, em seguida colonizadores e colonizados e, finalmente, povos desenvolvidos e o Terceiro Mundo, se ficarmos no plano interétnico; se passarmos daí para o plano intra-étnico, seguindo o mesmo modelo, temos cidades e campos, brancos e pessoas de cor, nas sociedades plurirraciais, burgueses e proletários.[24]

Com certa urbanização que acontecia na vida Africana, o assunto da migração passa ser comum entre os etnógrafos. A prática fazia parte da vida de Rouch. Aos 11 anos ele e sua família migram para o Marrocos onde seu pai foi nomeado Comandante da Marinha. É seu primeiro contato com o continente, que dura dois anos. Ele vai retornar lá aos 24 anos, dessa vez ao Níger, como engenheiro, fugindo de uma França ocupada pelos Alemães.

Na África, os aspectos etnográficos que vão interessar Rouch em seus primeiros trabalhos de campo vão ser a religião do povo Songhay e a migração para a Costa do Ouro. Sobre esse último assunto ele realizou um estudo durante 6 anos, em que levantou os motivos sociais da época que promoviam essa migração, mas defendeu também ser essa uma característica ancestral do povo Songhay. Os resultados dessas pesquisas estão em dois livros escritos na época: Contribution à l’histoiredesSonghay(1953) eMigrationsauGhana (1956).

Segundo Stoller, citando o trabalho de Rouch, depois da Primeira Guerra Mundial, as migrações no continente tornaram-se rotina. Entre 1920 e 1939, a Costa do Ouro teve uma grande atividade econômica, com a abertura de minas e a construção de fábricas, estradas e um grande porto em Takoradi. O desenvolvimento criou a necessidade de trabalhadores que vieram em grande número das colônias francesas para a Costa do Ouro.

Antes da Segunda Guerra Mundial a grande maioria dos “homens do Norte” eram trabalhadores sazonais. Deixando o Níger para a Costa do Ouro depois da colheita em Outubro, eles deveriam retornar para casa em Maio para plantar milho. Durante e depois da Segunda Guerra, muitos dos migrantes situados na Costa do Ouro, especialmente em Accra e Kumasi, casavam-se com mulheres locais e constituíam famílias. Eles aprendiam Ewe, Twi e Ga assim como Inglês, e alguns se tornavam serviçais. [25]

Na posição de Rouch começa a transparecer também as influências Marxistas. Rouch lê Bakunin antes de Marx e este último lhe parece obsoleto. Ele vai identificar-se mais com o anarquista, que não era um teórico, e que não tinha interesse em mecanismos para “tomar o poder”, e sim em “destruir o poder”. Mas alguns traços o aproximam do pensamento marxista. Enquanto o cinema direto norte-americano definia o real como o que observamos à distância, o cinema direto de Rouch era o que definia o real como aquilo que tinha sido revolucionariamente transformado pela presença do seu cinema.

Mas Karl Marx é quem constrói o segundo modelo, sob sua forma sempre viva, e isto porque ele, ao contrário de Hegel, que acreditava na fatalidade do Espírito, partiu da dupla luta do homem: sua luta contra a natureza e seu engajamento na luta de classes. Ao logos sucede a práxis. As ideias não são mais, portanto, simples cópias das coisas, mas forças que se realizam no mundo. O verdadeiro é o que se verifica através de nossa ação revolucionaria. O que faz com que o antigo modelo da Antropologia Aplicada, da época liberal, soma de uma ciência teórica e de uma arte aplicada, caia por terra; os conhecimentos práticos por e em um mesmo movimento da práxis. A intervenção humana na realidade social é, simultaneamente, ação e ciência, visto que ela permite, ao mesmo tempo, modificar o mundo e, ao mudá-lo, conhecê-lo. [26]

Além dessa proximidade do projeto de Rouch com as ideias marxistas, também a temática dos filmes vai sair do campo exclusivamente etnográfico, indo para o campo social. Lesmaîtresfousexpõe um ritual de possessão que acontece por força das relações sociais de trabalho e exploração. O filme La pyramidehumaineapresenta “um conflito de grupos étnicos” como se fosse uma luta de classes. E Rouch acredita no cinema como ferramenta de transformação dessas relações. É a ação do cinema revolucionário. Apesar disso, declara-se não totalmente envolvido com o movimento na época:

Eu sempre fui profundamente alienado de ambos, fascismo e Marxismo – numa época em que André Gide estava indo para a Rússia, eu estava certo de que a verdade estava em outro lugar. Para a minha mente, os comunistas não podiam permitir a idéia de “anarquia”. Eu estava confiante que a história iria provar que eles estavam enganados – na época eu sonhava com outros lugares. [27]

Mas o aspecto etnográfico mais evidente e recorrente em sua cine-etnografia, aquele que motivou realizações além do modelo da etnografia clássica utilizando recursos da ficção e do psicodrama, aquele que realmente o interessou, foi o aspecto relacionado aos fatos que acontecem a partir do encontro com o “Outro”, o encontro entre a tradição e a modernidade, entre a “brousse” e a cidade, o branco e o negro, o pesquisador e seu objeto, o cineasta e o seu personagem. Fronteiras que pareciam mudar sempre de lugar e que eram espionadas de perto pelos antropólogos.

Se, como vimos anteriormente, Jean Rouch realiza seus primeiros filmes etnográficos no modelo da etnografia clássica, que era o da observação objetiva dos aspectos culturais ancestrais e típicos, ao longo do tempo ele passa a estudar o caráter mais complexo do encontro de diferentes grupos humanos e os problemas causados por esse encontro.

Nesse segundo momento, os filmes de improvisação funcionam de certa forma como laboratórios para estudo dos efeitos do processo de aculturação. Os negros são colocados em situações de contato com a cultura dominante do colonizador e Rouch filma as reações e as dificuldades de integração, levantando as questões que problematizam a aculturação dos povos colonizados. Passam a ser como jogos que propõem situações possíveis de acontecer e nas quais ele faz o papel de condutor. Registra o resultado, único, já que era um resultado que só acontecia para a câmera, talvez impossível e improvável se esse jogo fosse proposto sem que houvesse a atividade cinematográfica.

O conhecimento antropológico surge do encontro, não apenas de dois discursos explícitos, mas de dois inconscientes em espelho, que espelham uma imagem deformada. É o discurso sobre a diferença (e sobre minha diferença) baseado em uma prática da diferença que trabalha sobre os limites e as fronteiras. [28]

Segundo Naficy, dessa maneira Rouch desenvolveu um processo criativo coletivo e participativo. Coletivo porque a criação ficava a cargo de todos os participantes, e participativo porque ele evitava o distanciamento, embaçando as desigualdades entre o etnógrafo e seu objeto[29],.

Localizado no centro dessas grandes descobertas, o filme La pyramidehumaine é o seu primeiro filme onde o povo africano não é o protagonista exclusivo, intento que havia anteriormente sido anunciado em Moi, unNoir, conforme relata o próprio Jean Rouch:

Eu percebi que para muitas pessoas, MoiunNoir representava algo novo em cinema, a respeito da relação entre brancos e negros. (...) MoiunNoir era o resultado de um encontro entre duas pessoas. (...) Era a primeira vez que um negro estava falando num filme – e ele estava falando sobre sua própria vida ou pelo menos sobre imagens de sua própria vida.[30]

Essa relação entre brancos e negros será o tema principal do filme Lapyramidehumaine, representando as suas próprias preocupações nas relações que ele, como branco, tinha que estabelecer com os negros para realizar sua etnografia fílmica.

Rouch entendeu desde cedo que o discurso científico não teria nunca como ser neutro e assim representar a realidade como ela é. A mosca não tinha como voar da sopa para a parede. Dentro dessa perspectiva, procurou cada vez mais em seus filmes não trabalhar exclusivamente de uma maneira científica e distanciada, ao mesmo tempo em que não pretendeu parecer que não atuava na construção de suas cenas. Para ele, a construção etnológica estava no encontro entre ele cineasta e o outro filmado. Se evitar uma análise teórica etnográfica pode ter sido uma maneira de Jean Rouch evitar uma relação dominante-dominado, não significou, entretanto, uma posição passiva.

Malinoswki em seu Argonautsofthe Western Pacifi acreditava no aparecimento da ciência da observação do outro (etnografia) para além do julgamento subjetivo de um ser pertencente a uma cultura. A ciência era então a não visão da subjetividade, era a oposição da arte. E a etnografia deveria ser uma ciência. Desde então essa posição vem sido questionada.

Desde os tempos de Malinowski, o método de observação participante colocou em ação um delicado balanço entre subjetividade e objetividade. As experiências pessoais dos etnógrafos, principalmente aquelas de participação e empatia, são reconhecidas como centrais para o processo de pesquisa, mas elas estão firmemente restritas pelos padrões impessoais de observação e distância “objetiva”. Em etnografias clássicas a voz do autor está sempre manifesta, mas as convenções da apresentação textual e leitura proíbem uma conexão entre estilo autoral e representação do real. (…) A subjetividade do autor é separada da objetividade referente do texto. Na melhor das hipóteses, a voz pessoal do autor é vista como um estilo no senso comum: um tom, ou estabelecimento dos fatos. Além disso, o atual campo de experiência do etnógrafo é apresentado apenas em maneiras bem estilizadas. (…) Nos anos 60 esta série de convenções expositivas ruiu. Etnógrafos começaram a escrever sobre suas experiências em campo de maneiras que distorciam o prevalecente balanço subjetivo. (…) Um subgênero de escrita etnográfica emergiu, o valor do trabalho de campo auto-reflexivo. [31]

Aquele que é considerado por muitos como o primeiro filme etnográfico, NanookoftheNorh(1922), e que era admirado por Rouch, não nasceu de nenhuma tentativa de chegar à verdade através de um documento científico mas sim como intenção de uma nova estética na linguagem cinematográfica . Era uma nova representação do mundo que se sugeria, sem a artificialidade dos recursos dos estúdios, uma nova maneira de fazer cinema. O filme etnográfico tem em si, na sua gênese, essa característica de um produto que não é estritamente científico, e não pode ser discutido exclusivamente como tal. Mas os problemas éticos e políticos, e por que não dizer também conceituais e metodológicos, presentes na sua realização são semelhantes aos da etnografia.

Uma teoria científica nunca é o reflexo do real, e sim uma construção do real. Os fatos etnográficos são fatos cientificamente construídos, a partir de nossas observações, mas também contra nossas observações, nossas impressões, as interpretações dos interessados e nossas próprias interpretações espontâneas. [32]

Na história da Antropologia, inicialmente tentou-se fazer uma distinção entre a investigação empírica (ciência pura) e a aplicação desse conhecimento (ciência aplicada). Por um lado, as informações sobre uma sociedade, obtidas a partir de uma pesquisa metodologicamente construída, poderiam gerar dados “científicos” que possibilitariam seu uso com objetividade. Porém, segundo Bastide (1979. p.62), iniciar um conjunto de ações a partir dessa investigação empírica, que transformassem os modelos culturais tradicionais das sociedades pesquisadas, devido o alto grau de subjetividade, esse ato seria algo mais próximo de uma “arte aplicada” do que de uma “ciência”. Mas, por outro lado, a pesquisa empírica já é por si só “orientada” e não “desinteressada”, é “seletiva” e não “teórica” ou “científica”. “Portanto estamos situados na ‘arte’ desde o início da investigação”. [33]

Rouch, com seus filmes etnográficos, parece ter sido pioneiro ao superar as fronteiras dessa dicotomia entre arte e ciência, anteriormente à própria Etnografia, assumindo a subjetividade na imagem antes que a escrita o fizesse. O ponto de vista participante, a antropologia compartilhada, o olhar reflexivo e a realidade provocada, métodos usados nos filmes dele, só atualmente são discutidos quando a etnografia se pergunta se perdeu sua autoridade e se todas as retóricas não estariam determinadas pela atitude artística da necessidade de se contar uma história.

Rouch fez seus filmes improvisadamente, durante a prática no campo, e conforme ia aproximando os seus contatos ia desenvolvendo seus procedimentos cinematográficos. Decidir quais os fatos significativos deveriam ser filmados no momento que eles acontecem, sem um prévio planejamento rígido, define o seu trabalho mais como uma expressão artística, um ponto de vista, do que como uma metodologia científica.

Por isso é difícil falarmos em “método” tratando-se de Jean Rouch, já que como disse Steven Feld (2003), ele prefere seguir as ideias mais perto do “lado poético da complicação do que do lado preciso da determinação”.[34] Muito dessa poesia estava na narração dos filmes que ele fazia junto com seus personagens. Uma narração que não se limitava a uma explicação científica, didática, como no documentário clássico, mas que na voz de Jean Rouch pretendia fazer poesia:

Eu olho para as ciências humanas como ciências poéticas, nas quais não há nenhuma objetividade, e eu vejo os filmes como não sendo objetivos, e o cinema-vérité como um cinema de mentiras que depende da arte de contar suas próprias mentiras. Se você é um bom contador de histórias, então a mentira é mais verdadeira do que a realidade, e se você é um mau contador de histórias, a verdade é pior que a meia mentira. [35]

O embaralhamento entre ciência e arte foi uma constante em sua vida. Sua família estava ligada à vanguarda artística da época, mas também ao espírito aventureiro. Seu pai era um oficial naval, meteorologista e oceanógrafo na Antártida e escreveu vários livros de literatura. Na família todos praticavam alguma forma de expressão artística: pintura, música, fotografia e...viajavam. Ou seja, Rouch foi criado entre cientistas e artistas surrealistas que desfrutavam a vida ouvindo jazz e conhecendo outros povos.

Viajando com meu pai para Istambul, ele me contando a fantástica vida que viveu, ao redor do mundo inteiro, todas suas viagens – eu o admirava imensamente. Ele foi minha influência quando depois da guerra decidi não continuar como um engenheiro, mas me voltar para a antropologia e o cinema. [36]

Jean Rouch e a arte

Além de seu pai, que estimulou sua busca pelo conhecimento do “Outro”, dois grandes inspiradores na obra do cineasta etnográfico foram DzigaVertov e Robert Flaherty, que tinham seus trabalhos indefinidos entre o desejo do conhecimento e o da expressão pessoal e, por isso, queriam, através do cinema e da poesia, chegar à verdade.

Neste ponto, nossa disciplina foi inventada por dois gênios. Um deles, Robert Flaherty, era um geógrafo explorador que estava fazendo etnografia sem saber. O outro, DzigaVertov, era um poeta futurista que estava fazendo sociologia, igualmente sem saber. Os dois nunca se conheceram, mas ambos desejavam a “realidade” do cinema. E etnógrafos e sociólogos que estavam inventando suas novas disciplinas no meio desses dois inacreditáveis observadores não tinham contato com nenhum dos dois. Mesmo assim, é a esses dois homens que devemos tudo que estamos tentando fazer hoje. [37]

Segundo ele, os dois reinventaram o cinema na medida em que passaram a filmar o “real”. Flaherty, com Nanookofthe North, sem saber, havia realizado cinematograficamente dois importantes procedimentos da pesquisa etnográfica: a observação participante e o “feedback”. Pela primeira vez um filme era construído junto com os seus protagonistas, à medida que as imagens iam sendo assistidas e discutidas por quem era o portador da história que estava sendo contada. Já Vertov era admirado pela sua concepção de realismo cinematográfico, que não se confundia com a realidade em si, mas era outra construída pela câmera. Uma realidade organizada pelo cineasta, principalmente durante a montagem, uma proposta onde eram possíveis todas as técnicas, todo tipo de imagem, todos os métodos sem exceção, que levassem ao encontro da verdade. O que Rouch faz é reformular essas ideias em um novo contexto, inserindo-as dentro das novas possibilidades tecnológicas que estavam surgindo, como as câmeras leves 16mm e os equipamentos de som sincrônicos portáteis.

Mas, além das influências cinematográficas, existia naqueles tempos uma grande efervescência artística que contribuía para novas posturas de expressão, baseadas na improvisação, na intuição e na ausência de regras formais. Como exemplo de outra influência artística no trabalho de Jean Rouch, podemos citar o jazz. Era a música que dominava a cena cultural em Paris quando ele era simplesmente um estudante. Os elementos do jazz, como a improvisação, a interação em grupo e o desenvolvimento de uma “voz individual” estão presentes na sua obra. Reflexo de um período onde a vida cultural valorizava o desregramento e a mudança nas estruturas tradicionais.

E se as regras não são rígidas, a postura participante é essencial para o trabalho de grupo. Como num jogo praticado em equipe, o resultado das ações dos jogadores tem uma meta cuja tentativa de alcançá-la é sincronizada, porém, como os efeitos das ações coletivas têm uma boa parte de imprevisibilidade, o rumo do jogo vai sendo redirecionado durante todo o processo, exigindo dos participantes uma sinergia não tão racional, mas bastante calcada na intuição.

Quando Rouch fala de seus procedimentos do ciné-transe, fica claro que eles têm semelhanças com o improviso que acontece durante uma apresentação de jazz. O transe é esse momento de inspiração, não planejado, a chave é uma inspiração pessoal que acaba acontecendo por força de alguma ação irracional. No jazz temos o ritmo dos instrumentos. No cinema temos o ritmo da câmera.

E sem dúvida, uma parte é conquistada quando essa inspiração do observador está em uníssono com a inspiração coletiva do que ele está observando. Mas isso é tão raro, demanda tanta conivência que eu só posso comparar com aqueles excepcionais momentos de uma jamsession entre o piano de Duke Ellington e o trompete de Louis Armstrong.[38]

Essa não formalidade na realização, esse desapego pela busca da verdade, levaram Rouch a novas possibilidades estéticas, com o filme distanciando-se do seu lado simplesmente pitoresco (e pictórico), e entrando na intimidade das relações humanas. Mas foi o Surrealismo, o principal movimento que teve grande influência na vida de Jean Rouch:

Todos os surrealistas tiveram uma grande influência sobre mim. Eu li seus livros na minha adolescência. Minha descoberta do Manifesto do Surrealismo de Breton foi muito importante, como foi Nadja. Por outro lado, a autobiografia de Leiris, L’Âge d’Homme, também me afetou de várias maneiras - para mim é seu melhor trabalho. Quando eu o li, eu logo soube que ele tinha sido maluco. Capitale de laDouleurde Éluard também. Você pode encontrar citações de todos esses “poemas” em meus filmes. [39]

Rouch teve experiências como ator com a obra denominada Teatro da Crueldade, do dramaturgo AntoninArtaud ligado ao movimento surrealista, e que se baseava na repetição até a exaustão física. É possível fazer um paralelo entre esse trabalho e os ritos de possessão realizados pelos povos africanos. Mas não era a poética da inconsciência que interessava a Rouch nos ritos da África, mas a da pré-consciência. Uma das principais ideias trabalhadas pelos surrealistas era a da “escrita automática”,segundo a qual o impulso criativo artístico se dava através do fluxo de consciência despejado sobre a obra. Essa é uma das marcas na estética adotada por Rouch em seus filmes. Quando ele tem a oportunidade de presenciar pela primeira vez um ritual de possessão dos Songhay, era como se aquilo evocasse os poemas de André Breton e Paul Eduard, cujas criações se davam como que num estado de “transe”. Segundo Stoller (1992, p.31), naquele momento Rouch deve ter compreendido, como os poetas e pintores surrealistas nos quais havia se inspirado, que o filme era o meio ideal para combinar colagem verbal e visual como nos filmes de Man Ray, Buñuel e Dali, ou Desnos.

Podemos citar outras semelhanças entre o trabalho de Rouch e o surrealismo, como a tentativa de se aproximar do real pela oposição, ou seja, aquilo que não é considerado o real. O surrealismo tenta representar o real pelo mundo dos sonhos, enquanto Rouch faz isso pela ficção. O surrealismo, em vez de apresentar um excesso de realismo, reembaralha os elementos do realismo criando uma nova realidade. A arte não é produto de gênios, mas de cidadãos comuns e, portanto o surrealismo não esclarece, provoca questionamentos, provoca desordem.

Nos filmes de Rouch, o surrealismo vai aparecer na espontaneidade, improvisação e experimentação. Quando Rouch deixa seduzir-se pelo mundo africano, está se opondo ao mundo ocidental racional, e o surrealismo era a expressão de oposição a esse racional. Existia naqueles tempos uma vontade francesa de fugir de sua sociedade com excesso de regras e o surrealismo era uma expressão artística que vinha ao encontro desse sentimento. Suas características apareciam no “bem conhecido amor surrealista da interrogação espontânea de estranhos e em seus temas favoritos de encontros felizes entre os desejos interiores e a realidade”. [40]Outras vezes é a antropologia que vai dar essa possibilidade.

Sistemas de interpretações autóctones, modelos conscientes e gêneros são frequentemente deformações e racionalizações de estruturas inconscientes (que fornecem, no entanto possibilidades de acesso a estas últimas), e este é o nível de inteligibilidade que a antropologia pretende alcançar: não o consciente, mas o inconsciente em sua relação com o consciente, o tipo em sua relação com o gênero, etc. [41]

Vale lembrar que Etnografia e Surrealismo apareceram na França ao mesmo tempo e “regularmente trocavam entre si idéias e pessoas”.[42]O jornal Minotaure (1933-1939) editado pelo poeta surrealista André Breton, grande influência em Rouch, traz artigos sobre expedições etnográficas na África e muitas fotos, outro elemento de interesse comum entre etnógrafos e surrealistas. No número 2 vemos publicada a reportagem sobre a “Dakar-DjiboutiEthnographicandLinguisticMission” liderada por Marcel Griaule (1931-1933). Nela está descrita sua metodologia, onde defende a observação direta e, consequentemente, o uso de fotos e filmes. Mas, diferentemente de Griaule, para quem a fotografia tinha funções objetivas de ilustrar uma pesquisa feita sob princípios científicos, Rouch, assim como os surrealistas, tem um envolvimento maior com a subjetividade, que transparece na posição de câmera, e no som, que em vez de redundar a informação da imagem, contrapõe-se poeticamente a ela.

Tudo isso estava antecipando a nouvelle vague, movimento artístico contestatório do cinema que se estabeleceu na França nos anos sessenta e que teve como características marcantes a intransigência com o modelo linear da época, a recusa dos moldes narrativos do cinema estabelecido, a representação do amoralismo próprio desta geração, e uma montagem sem concessões à linearidade narrativa, rompendo com o cinema totalmente de estúdio que imperava na França na década de 40. As liberdades estéticas de Rouch, junto com o neo-realismo de Rosselini, foram precursores desse movimento.

Em Chronique d’unétéeu estava descobrindo minha própria sociedade. Eu sabia que o começo do que ia se revelar 8 anos depois já estava sendo preparado entre os jovens. Então eu descobri que havia esperança na França – todas aquelas pessoas jovens eram muito inteligentes, meio loucas, esperando serem felizes. Mais tarde em 1968, eu senti que talvez pela primeira vez eu estivesse reconciliado com o meu país.[43]

Por questões práticas, como o fato de trabalhar até os anos 60 com uma câmera 16mm à corda que permitia filmar apenas planos curtos, Rouchconstruiu sua narrativa através de uma edição com pulos narrativos, modelo que seria utilizado por alguns representantes da nouvelle vague posteriormente. Segundo Dumaresq (2007), a jovialidade dos realizadores e dos protagonistas dos filmes é outra característica na temática dos filmes da nouvelle vague, também presentes na obra de Rouch. Isso teria a ver com a ascensão do jovem na sociedade francesa. Falando sobre Os Incompreendidos de Truffaut e Acossado de Godard, ela diz:

Tendo Paris como locação e aproveitando a iluminação oferecida pela cidade, os dois filmes têm como marca o abandono das formas concebidas nos estúdios. Ao cinema protegido das intempéries das ruas, eles contrapõem o acaso e o improviso. Rouch aparece em sintonia com essa jovialidade. Filmado nas ruas de Accra, seu Eu, um Negro traz como protagonista o jovem Robinson em busca de emprego. La PyramideHumaine concentra-se em grupo de secundaristas de Abidjan para tratar do tema das relações inter-raciais. Já Gare duNord mostra as dificuldades vividas por um jovem casal no seio da sociedade de consumo. [44]

Por outro lado, apesar exercer influência sobre a nova geração de cineastas, criando filmes fora de estúdio e com baixos orçamentos, diferentemente dela, Rouch nunca pretendeu participar do “mainstream” do cinema, permanecendo sempre à sua margem. Ele vai entrar para a realização de imagens através da pesquisa científica, trabalhando fora do sistema industrial de produção dos filmes de arte e entretenimento.

Jean Rouch e a câmera

Mas por praticar ciência junto com uma grande dose de poesia, ele opta por operar a câmera que usava e, com ela, se inserir no meio do filme, provocando as situações e impregnando as cenas de subjetividade. Por isso ele não costumava ter em sua equipe um operador de câmera. Com raras exceções, operou desde quando comprou sua própria Bell e Howell 16mm movida à corda e que ele utilizou em seus primeiros filmes.

(...) E toda vez que eu tive que usar um operador de câmera, independente de quanto ele era bom, eu sempre tive decepções. Eu admiro as coisas que ele faz, coisas que eu nunca faria; mas o filme nunca estava do jeito que eu o teria feito, poderia dizer desajeitado, no caso se eu estivesse operando a câmera.[45]

A câmera de Jean Rouch não é discreta, ela se aproxima, interfere na cena, deixa explícita sua presença, obriga que as pessoas filmadas interajam, enquanto ele visualiza a narrativa acontecendo por traz do visor. Em seus filmes sentimos a presença de um outro personagem que é o olhar da câmera e que, apesar de estar externo à cena, vai também conduzir o andamento da história.

Pessoalmente, quando eu faço um filme eu edito na câmera. Eu vejo o filme no meu viewfinder – esse é o porquê eu quero ser meu próprio operador de câmera. A edição é criar uma forma, mas eu nunca fiz um filme onde a edição não se conformava com o que eu planejava fazer. É uma questão de honestidade. [46]

Duas características técnicas vão ser fundamentais para essa “performance”. O uso de uma única lente 25mm e a utilização da câmera na mão, estilo que Jean Rouch adotou logo nas suas primeiras filmagens, por uma questão acidental.

De qualquer maneira, em relação ao meu começo, o último ato de sorte que tive foi quando fiz meu primeiro filme sobre a Nigéria. Eu fui para lá com um um manual do operador de câmera amador, e tive a feliz sorte de perder meu tripé ao final de uma semana, e fui forçado a trabalhar sem tripé. Isso foi em 1945, e trabalhar sem tripé era absolutamente proibido. Mas eu percebi que realmente ele não era importante.[47]

A câmera na mão é o que permite a agilidade e liberdade para Jean Rouch fazer parte da cena, por vezes se afastando para observar, por vezes se aproximando para participar, conforme o desenrolar dos acontecimentos. A lente 25mm, numa filmadora de película 16mm, tem um ângulo de visão apenas um pouco mais fechado que uma lente “normal”, que é semelhante à visão humana, exigindo que, para a realização de closes,Rouch se aproximasse do personagem na cena.

(...)a Bell &Howell (uma câmera de corda) só permite vinte segundos de plano-sequência, o que resulta numa sucessão rápida de imagens, numa edição acelerada. Também pode ter sido consequência da “unidade de visão”, do fato de usarmos uma só lente fixa de 25mm.[48]

Jean Rouch defendia o uso de uma lente única, pois considerava que o uso de lentes zoom para aproximar ou afastar uma cena, não resolvia o real problema da imobilidade.

A imobilidade física de um tripé de câmera fixo é pensado para ser compensado pelo amplo uso de lentes de distâncias focais variáveis (lentes zoom), que criam uma imitação ótica de um carrinho do tipo “dolly”. Mas de fato, essas lentes não permitem que alguém esqueça a não vista rigidez da câmera, porque o uso da zoom é sempre de um único ponto de vista. [49]

Essa técnica utilizada por Rouch fazia com que fosse quase impossível que o personagem filmado, ao sentir a proximidade da câmera, não reagisse e estabelecesse uma relação com quem o filmava.

Quando eu e meus amigos dizemos atualmente que nós usamos a “câmera contato” ou “lentes contato”, significa que nós trabalhamos com lentes grande-angulares, de tal maneira que podemos ficar bem perto da pessoa que filmamos. O que reduz nossa ação para uma aventura que é a mais perfeita desordem, desde que filmamos em ângulos abertos, que quer dizer, ver tudo, mas reduzindo-nos à proximidade, que quer dizer, sem ser visto pelos outros.[50]

Essa relação fazia parte da “misé-én-scéne” que Rouch queria criar participando ativamente da cena. Queria ver e ser visto. E por isso, propositalmente, mesmo sem o som direto, algo para ser dublado posteriormente, ele põe os atores falando para a câmera. Essas características estabeleciam alguns oposições entre essa vertente francesa de “cinema direto” com a que seria estabelecida nos EUA. Os métodos de filmagem dessas duas vertentes foram resumidos assim por Barnow:

O documentarista do cinema direto levava sua câmera para uma situação de tensão e torcia por uma crise; a versão de Rouch do cinema verdade tentava precipitar uma. O artista do cinema direto aspirava à invisibilidade; o artista do cinema-verdade de Rouch era frequentemente um participante assumido. O artista do cinema direto desempenhava o papel de um observador neutro; o artista do cinema-verdade assumia o de provocador. [51]

Apesar das diferenças no modo de se posicionarem perante a realidade, tanto Rouch quanto Drew tinham como principais semelhanças a expectativa para que o fato incomum acontecesse, e a importância que atribuíam ao ponto de vista do operador de câmera como personagem da história contada. O cinema direto de Drew, que tentava minimizar sua interferência na realidade, necessitava que o fato cinematográfico existisse por si, já que poderia somente registrar a vida como ela se apresentava. Para ter então algo que justificasse o registro, Drew, jornalista, falava de algo que ele denominava de “crise” como um momento mágico, transcendente, sem o qual não existiria o filme.

(...) o momento de crise tem que ser encontrado, então ao invés de criar uma realidade imaginada, ele escolhe aqueles aspectos da realidade que o interessa. O método é atacado apenas pelas suas limitações e quando o momento de crise não é honestamente encontrado (isto é, durante o estágio da filmagem), e não como uma subversão direta da verdade através de manipulações deliberadas com o objeto filmado. Para ter maior potencial dramático, o método de situação sob pressão é sempre desejável porque as pessoas estarão menos atentas à presença da câmera[52].

Para captar esses momentos especiais, era necessário que o cinegrafista não fosse apenas tecnicamente competente, mas que possuísse uma capacidade extra, uma espécie de intuição diferenciada que o colocava de modo privilegiado diante dos acontecimentos:

São pessoas que podem intuir uma situação interessante e prever o que irá acontecer, podem sentir uma situação interessante e encontrar os personagens dentro dela. Sentir o que está para acontecer, estar presente quando isso ocorre, colocar isso no filme ou na fita com arte, engenhosidade, sensibilidade e inteligência, à medida que o fato se desenrola. Voltar com esse material e editar um filme que transmitirá a sensação do que foi vivenciado naquele momento. [53]

Da mesma maneira Jean Rouch vai tratar o trabalho do operador de câmera como algo muito além do que um simples trabalho técnico de registro.

Ao filmar um ritual (...), o cineasta descobre um cenário complexo e espontâneo cujo criador ele geralmente não sabe quem é. (...) Ele não dispõe de tempo para descobrir esse guia indispensável, se quiser registrar o espetáculo que está começando e que não se interromperá mais, como se animado por seu próprio movimento perpétuo. Assim o cineasta “encena a realidade”, improvisa as tomadas, seus movimentos, os tempos de filmagem, escolha subjetiva cuja chave é a inspiração pessoal. [54]

Mas para isso, segundo Rouch, é necessário que o cineasta esteja em uníssono com a inspiração coletiva que ele observa, o que exige uma convivência para se criar aquele momento excepcional.

E se alguma vez me aconteceu de atingir esse nível de diálogo – por exemplo, nos Tambores do passado (Tourou e bitti), um plano-sequência de dez minutos sobre uma dança de possessão - ainda sinto na boca o gosto do esforço e do risco assumido para não pisar em falso, para não perder o foco e a abertura da objetiva, para me movimentar o mais lentamente possível e de repente voar com minha câmera rápido como um pássaro. Sem isso tudo deveria recomeçar, isto é, tudo estaria perdido para sempre. E quando MoussaAmidou deixou de lado o microfone e eu a câmera, ambos exaustos por essa tensão e por esse esforço, tivemos a impressão de que todos – a multidão atenta, os músicos e mesmo os frágeis deuses que tinham vindo habitar os dançarinos trêmulos – haviam compreendido o sentido da nossa busca e aplaudiram o seu sucesso. É por isso, talvez, que eu só possa explicar esse tipo de mise-en-scénecom uma expressão misteriosa: cine-transe.[55]

Essa participação na cena que é operada por Jean Rouch, dependia de um procedimento com a câmera, que o colocava como um xamã quase em contato direto com os “deuses” que queria filmar.

Para mim, a única maneira de filmar é caminhar com a câmera, levando ela onde é mais efetivo e improvisando outro tipo de balé com ela, tentando fazê-la tão viva quanto as pessoas que está filmando. Eu considero esta improvisação dinâmica sendo a primeira síntese do cine-olho de Vertov e a câmera participante de Flaherty. (...) Então ao invés de usar o zoom, o operador de câmera/diretor pode realmente entrar dentro de seu assunto filmado. Acompanhando ou perseguindo um dançarino, um sacerdote ou um artesão, ele não é mais ele mesmo, mas um olho mecânico acompanhado e um ouvido eletrônico. É este estranho estado de transformação que se apodera do cinegrafista que eu chamei, analogamente aos fenômenos de possessão, de “cine-transe”.[56]

A exemplo de seu mestre Griaule que escreveu Méthode de l'ethnographie. (1957), Rouch poderia ter criado um Método de Etnografia Fílmica. Mas talvez isso não condissesse com seu espírito anarquista. Porém podemos aqui resumir os principais procedimentos citados ao longo desse texto.

1. Observação Participativa. Procedimento recomendado por Malinowski e Mauss, que consiste em uma convivência prolongada com a sociedade que está sendo estudada.

2. Sucessivas aproximações. Não passividade perante o objeto de estudo. Procura incansável pelo entendimento.

3. A imagem como um estudo etnográfico independente da escrita.

4. Etnografia compartilhada. A produção do conhecimento compartilhada com o objeto de estudo, dando-lhes voz e autoria.

5. O Feedback. Discussão do trabalho final com os protagonistas.

6. Uso do psicodrama para se aproximar da realidade através da ficção.

7. Provocar os acontecimentos na frente da câmera, estimulando o improviso e o que ele apelidou de cine-transe.

8. Assumir o ponto de vista de um participante, mantendo a câmera no ombro, livre do tripé, permitindo aproximações, e uma lente “normal” que fornece o mesmo ângulo de visão de uma pessoa.

Entendo ter abordado aqui alguns aspectos importantes para que seja possível analisar a técnica de realização de filmes de Jean Rouch. O seu desejo de manter contato com a África, as questões que envolviam o desenvolvimento da etnografia como ciência e sua proximidade com os procedimentos artísticos, o nascimento do filme etnográfico como produto independente, os problemas éticos e sociais do encontro entre o mundo europeu e o mundo africano, as influências dos movimentos artísticos. Todos esses elementos formam o substrato que resulta na realização dos filmes de Rouch.

BIBLIOGRAFIA

APPIAH, Kwame Anthony, Na casa de meu pai. A África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro. Editora Contraponto. 1979.

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[1] BASTIDE, Roger. Antropologiaaplicada. São Paulo, EditoraPerspectiva, 1979. p. 17.

[2]APPIAH, Kwame Anthony, Na casa de meu pai. A África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro. Editora Contraponto. 1979. p. 20.

[3] LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo, Editora Brasiliense, 1988. p. 84.

[4]LOURDOU, Phillipe. O comentário nos filmes etnográficos de Marcel Griaule. In: FRANCE, Claudine de (Org.). Do filme etnográfico à antropologia fílmica. Campinas, SP, Editora da Unicamp, 2000. p. 101.

[5]ROUCH, Jean. “The Cinema of the Future?”In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p. 269.

[6]ROUCH, Jean. The mad fox and the Pale Master.In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p. 111

[7] LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo. Editora Brasiliense. 1988. p. 184.

[8] UNGAR, Steven. Whosevoice? Whose filme?: OumarouGandaand Moi, unNoir. In: BRINK, Joram ten. (Ed.). Building Bridges, the cinema of Jean Rouch.London, Wallflower Press, 2007.p. 117

[9]STOLLER, Paul.The Cinematic Griot.The Ethnography of Jean Rouch.Chicago & London. The University of Chicago Press. 1992. p. 212-213.

[10]SURUGUE, Bernard. Jean Rouch and the Sacred Cattle.In: BRINK, Joram ten. (Ed.). Building Bridges, the Cinema of Jean Rouch. London, Wallflower Press, 2007. p. 10.

[11] BENSMAIA, Réda. A Cinema of Cruelty.In: BRINK, Joram ten. (Ed.). Building Bridges, the Cinema of Jean Rouch. London, Wallflower Press, 2007.p.73.

[12]LOURDOU, Phillipe. O comentário nos filmes etnográficos de Marcel Griaule. In: FRANCE, Claudine de (Org.). Do filme etnográfico à antropologia fílmica. Campinas, SP. Editora da Unicamp, 2000. pg. 102.

[13]ROUCH, Jean. “The Cinema of the future?”.In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p. 273.

[14] LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo. Editora Brasiliense. 1988. p. 188

[15]ROUCH, Jean. The Politics of Visual Anthropology. Jean Rouch with Dan Georgakas, Udayan Gupta, e Judy Janda.In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p. 220.

[16] LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo. Editora Brasiliense. 1988. p. 182.

[17] Idem. p. 185.

[18]FREIRE, Marcius. Jean Rouch e a invenção do Outro no documentário. Doc On-line, n. 03, Dezembro 2007, www.doc.ubi.pt, p. 55-65

[19] ROUCH, Jean, The Cameraand Man. In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch. (VisibleEvidence, v. 13). Minneapolis, London, Universityof Minnesota Press, 2003. p. 43

[20] ROUCH apud DUMARESQ, Daniela Duarte. Sobre heróis, narradores e realismo: análise de filmes de Jean Rouch. 2007. Tese (Doutorado em Sociologia – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de São Paulo. São Paulo. 2007. p.226

[21] LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo. Editora Brasiliense. 1988. p. 192.

[22]ROUCH, Jean, The Camera and Man. In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003.p. 44

[23] CLIFFORD, James.Introduction: Partial truths. In: CLIFFORD, James e MARCUS, George E.Writing Culture, the poetics and politics of ethnography. Bekerley and Los Angeles, California, University of California Press, 1986. p. 8.

[24] BASTIDE, Roger. AntropologiaAplicada. São Paulo, EditoraPerspectiva, 1979. p. 22.

[25]STOLLER, Paul.The Cinematic Griot.The ethnography of Jean Rouch.Chicago & London, The University of Chicago Press, 1992.p, 69.

[26]BASTIDE, Roger. Antropologiaaplicada. São Paulo, EditoraPerspectiva, 1979. p. 6.

[27]ROUCH, Jean, The Mad Fox and the Pale Master. In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p. 130.

[28] LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo. Editora Brasiliense. 1988. p. 197

[29]NACIFY, Hamid.Ethnography and African Culture: Jean Rouch on La chasse au lion à l’arc and Les maîtres fous.In: BRINK, Joram ten. (Ed.). Building Bridges, the Cinema of Jean Rouch. London, Wallflower Press, 2007. p. 10.

[30]ROUCH, Jean e TAYLOR, Lucien, A life on the Edge of Film and Anthropology. In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p.139-140.

[31]CLIFFORD, James. Introduction: Partial Truths. In: CLIFFORD, James e MARCUS, George E.Writing Culture, the Poetics and Politics of Ethnography. Bekerley and Los Angeles, California, University of California Press, 1986. p. 13

[32] LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo. Editora Brasiliense. 1988. p. 194

[33]BASTIDE, Roger. AntropologiaAplicada. São Paulo, EditoraPerspectiva, 1979. p. 62..

[34]FELD, Steven.Acknowledgments.In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p.vii.

[35] ROUCH, Jean. In LEVIN, G. Roy.Documentary Explorations: 15 Interviews with Film-Makers. Garden City, NY: Anchor Press-Doubleday&Company, Inc., 1971. p. 134

[36]ROUCH, Jean e TAYLOR, Lucien, A life on the Edge of Film and Anthropology.In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p. 133.

[37]ROUCH, Jean, The Csmera and Man. In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p. 31.

[38]ROUCH, Jean e FULCHIGNONI, Enrico, Ciné-AnthropologyIn: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p. 186.

[39]ROUCH, Jean e TAYLOR, Lucien. A Life on the Edge of Film and Anthropology In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p. 130.

[40] THOMPSON, Christopher. Chance andadventure in the Cinema andEthnographyof Jean rouch.In: BRINK, Joram ten. (Ed.). Building Bridges, the Cinema of Jean Rouch. London, Wallflower Press, 2007.p. 182.

[41]LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo. Editora Brasiliense. 1988. p. 197.

[42] CLIFFORD, James. Writing Culture. Introduction: Partial Truths. In: CLIFFORD, James e MARCUS, George E.Writing Culture, the Poetics and Politics of Ethnography. Bekerley and Los Angeles, California, University of California Press, 1986. p. 03.

[43]ROUCH, Jean e TAYLOR, Lucien, A Life on the Edge of Film and AnthropologyIn: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p. 137.

[44] DUMARESQ, Daniela Duarte. Sobre heróis, narradores e realismo: análise de filmes de Jean Rouch. 2007. Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de São Paulo. São Paulo. 2007. p.261

[45] ROUCH, Jean. In LEVIN, G. Roy. DocumentaryExplorations: 15 Interviews withFilm-Makers. Garden City, NY: Anchor Press-Doubleday&Company, Inc., 1971. p.134

[46]Idem. p.135

[47] Idem. p.133

[48] ROUCH, Jean. In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch. (VisibleEvidence, v. 13). Minneapolis, London, Universityof Minnesota Press, 2003.p. 164

[49]Idem. p.38.

[50]ROUCH, Jean e FULCHIGNONI, Enrico. Ciné-AnthropologyIn: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch. (VisibleEvidence, v. 13). Minneapolis, London, Universityof Minnesota Press, 2003.p. 154

[51] BARNOW, Erik. Documentary. A Historyofthe Non-FictionFilm. New York. Oxford UniversityPress, 1993. p. 254-255

[52]MAMBER, Stephen. Cinema Verite in América: Studies in Uncontrolled Documentary. Massachusetts, and London, England, The MIT Press, Cambridge, 1976.p.121.

[53]DREW, Robert. Discurso proferido durante a Conferência de Sunvalley, 2000. Em Coleção Vídeo Filmes, Extras do DVD “Primary”

[54] ROUCH, Jean. In: FELD, Steven.Ciné-Ethnography / Jean Rouch.(Visible Evidence, v. 13).Minneapolis, London, University of Minnesota Press, 2003. p.185

[55] Idem.p.186

[56] Idem. p.39