“Pare, que estou filmando!” Corporeidade e produção cinematográfica nas relações entre a câmera e o cacetete.



Igor Karim [!]


Resumo

O presente artigo discute sobre algumas das técnicas corporais implicadas na produção de material audiovisual, especificamente no que se chama de Vídeo de Guerrilha, e seus desdobramentos dentro do contexto etnográfico. Usando como base uma etnografia de operadores de câmera, pretende-se descrever os processos técnicos envolvidos na relação entre um cameraman e a tropa de choque durante a filmagem de protestos violentos na Romênia, além de ponderar sobre a relação entre imagens, movimentos corporais e as relações engendradas por este processo. O efeito que a câmera exerce nas pessoas pode ser entendido como uma forma de comunicação dentro da negociação de controvérsias que surgiram durante os protestos.

Palavra-chave: Operadores de Câmera; Técnicas do Corpo; Protestos; Antropologia Visual; Etnografia.




“Stop, I'm shooting!” Embodiment and film production inside the relationship between the camera and the stick.

Abstract

This paper discuss some of the bodily techniques involved at the production of audiovisual material, specifically in what can be called Guerrilla Filmmaking and its ethnographic unfolding. Based on examples drawn from an ethnography of camera operators, this article will describe the technical processes entangled between a cameraperson and the anti-riot police during the shooting of a documentary about the violent protests in Rumania. Thereby it ponder about the association between images, body movements and the relationships created by this process.

Keywords: Camera Operators; Techniques du Corps; Riots; Visual Anthropology; Ethnography.




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“Pare, que estou filmando!” Corporeidade e produção cinematográfica nas relações entre a câmera e o cacetete.



Igor Karim [!]

El propósito que lo guiaba no era imposible, aunque sí sobrenatural. Quería soñar un hombre: quería soñarlo con integridad minuciosa e imponerlo a la realidad. (Jorge Luis Borges, Las Ruinas Circulares, 1941)

Ao perscrutar pelos rumos do cinema como operador de câmera em meu primeiro trabalho num documentário[1], me deparei com uma certa inépcia em enquadrar de forma satisfatória os entrevistados e fazer boas imagens. A câmera simplesmente escorregava pelos meus dedos. Era muito pequena e os espaços entre os botões e controles de regulagem eram curtos demais para minhas mãos, que simplesmente não se acomodavam ao design da câmera. Ela também não possuía um visor de LCD que mudasse de ângulo ou posição, então para fazer um plano em contra-plongê[2] precisei ficar de cócoras, com a câmera entre as pernas, pescoço retorcido e cabeça meneando para o lado, sem nenhum apoio, me controlando para que o tremor e os espasmos de meu corpo tenso não atrapalhassem o enquadramento. Todo encolhido em minha desgraça, tentativa após tentativa, não conseguia gravar imagens satisfatórias. Este exercício de contorcionismo me seria cômico se não fossem as duras críticas da diretora, extremamente insatisfeita com o meu trabalho, com o dedo em riste, esbravejando em dialeto vienense.

Mas mesmo quando finalmente conseguia estabilizar a imagem, minha posição era tão contorcida e mirabolante que as pessoas filmadas simplesmente começavam a gargalhar. O efeito tragicômico dos tropeços da câmera em minha anatomia corporal foi somente solucionado quando acoplei um acessório que se parece com uma alça, que fica por cima do corpo da câmera, então aumentando a amplitude de possibilidades de segurá-la. Assim poderia manejá-la por esta alça, sem precisar contorcer o pescoço, mantendo a coluna ereta e estabilizando melhor as pernas. Desde então, as pessoas pararam de rir e o filme prosseguiu tranquilamente, acatando os desígnios da diretora.

Pois bem. Ao introduzir este artigo expondo esta anedota, pretendo chamar atenção a uma relação por muitas vezes não explícita nas imagens de um filme documental ou etnográfico, visto que é nos bastidores que o efeito dos gestos, posições corporais e tipos de câmeras utilizadas na gravação exercem influência sobre as pessoas e as situações sendo filmadas. A partir do conceito de técnicas do corpo de Marcel Mauss (2003) e usando a etnografia de um operador de câmera e suas práticas, durante a filmagem de um documentário de guerrilha[3] sobre protestos de 2012 em Bucareste, pondero que os gestos corporais acoplados ao design da câmera e sua operação são um modo de comunicação sofisticado que elucidam reações e respostas específicas nas pessoas e compõem uma estratégia de engajamento no campo. Assim desejo “(…) explorar não tanto a relação entre antropologia e imagem, mas aquela entre etnografia e filmmaking.” (Sautchuck, 2012, p. 409)

Retorno então à minha experiência, que posteriormente virou fascínio e aquela câmera – a mesma a qual reclamei que era uma porcaria por ser pequena demais – que virou fetiche, meu companheiro favorito, meu parceiro de trabalho.[4] Foi com ele que confeccionei posteriormente de uma etnografia de operadores de câmera que foi mobilizada justamente por estas anedotas em meu primeiro trabalho. Minha dificuldade no início de minha carreira como operador de câmera me apontou que o ato de filmar não é meramente o uso de uma câmera com o fim de captar imagens, assim como um utensílio inerte utilizado para expressar meus desejos. O ato de filmar é (ou pode ser), primeiramente, uma forma de aprendizado. Evadindo o cunho tautológico desta colocação[5], o aprendizado que me refiro é de nossos próprios gestos, de nossas amplitudes de movimentos, de nossos corpos (e outros corpos possíveis).

Segundo a tradição das técnicas do corpo de Mauss ([1950] 2003), a maneira a qual o corpo se expressa por meio de ações não é biologicamente dada, ou circunscrita inexoravelmente a uma capacidade inerente de nossa anatomia. A forma como interagimos fisicamente por gesto e movimento são nos educadas socialmente, e nossas ações corporais são “(...) como uma série de atos montados, e montados no indivíduo não simplesmente por ele mesmo, mas por toda a sua educação, por toda a sociedade da qual ele faz parte, no lugar que ele nela ocupa...” (Mauss, 2003, p. 408) Assim são indissociáveis o corpo, a memória e o aprendizado, pois nossos gestos, por mais simples que sejam, são imbuídos de significados, o que faz a análise da técnica do corpo como uma forma extremamente profícua de se implodir a dicotomia entre natureza e cultura.

Avançando nesta direção, seu discípulo Leroi-Gourhan ([1964] 1993) consegue estabelecer uma genealogia dos atos técnicos do corpo e propõe que o corpo possui modos específicos de memorizar o aprendizado técnico apreendido, que não perpassam processos lógicos mentais. Desta forma, os gestos do corpo são educados por vias peculiares que possuem uma dinâmica própria, “a ce point, il semble que le social et le physiologique entrent directement en contact, et s’agrègent de telle manière qu’il devient impossible d’abstraire une quelconque instance collective de son incarnation dans une conduite singulière, concrète et vivante.” (Karsenti, 2008, p. 232) As particularidades deste tipo de aprendizado engajado, ancorado na experiência sensorial e corporal, têm gradativamente cativado a curiosidade acadêmica. A ideia de se “aprender pelo corpo” (Stoller, 1997) se torna vocal, contemporaneamente ao trabalho de Tim Ingold (2000) sobre habilidades técnicas, que são apreendidas através de uma educação da atenção para a perceber o ambiente de uma maneira específica, dentro de sistemas de aprendizado prático. (Ingold, 2000, p.37)

Assim, dentro da etnografia de operadores de câmera, apesar de o processo de filmar possuir como raison d'être produzir imagens, os movimentos, gestos corporais, falas, percepções do ambiente e posicionamentos da câmera não necessariamente são intrínsecos a esta função utilitarista. Estes movimentos foram desenvolvidos através de uma exploração das diversas formas de se engajar com o ambiente e se tornaram uma forma de comunicação interpessoal e negociação de controvérsias (as quais exporei a frente) entre o cineasta e as pessoas as quais ele interagia, por mediação da câmera. Portanto em certos exemplos, a intencionalidade de se operar a câmera não é a geração de imagens per se, mas sim acessar a amplitude de possibilidades relacionais que o ato de portar uma câmera pode oferecer ao seu portador. Afinal, os motivos que levam alguém a usar uma câmera e registrar imagens não são simples, como David Macdougall salienta, “exactly why one should wish to show others what one has seen is another matter Or is it perhaps to transcend oneself, to overflow one's self-containment?” (Macdougall, 2005, p. 27)

Este tipo de aprendizado corporal aplicado para a produção filmográfica se co-desenvolveu em relação à progressão tecnológica dos designs da câmeras, pois de caixas pesadíssimas e difíceis de se manusear, elas se tornaram gradativamente instrumentos leves e pequenos de alta tecnologia. O melhor exemplo desta cooperação é o de Dziga Vertov e seu Kino Pravda (Vertov, 1988). Seu filme mais famoso Um homem com uma câmera (1927) mostra uma de suas principais teorias de cinema, a qual o filmmaker deve intervir o mínimo possível com os eventos a se desenrolar na frente da câmera. Para isso ele precisou desenvolver soluções para filmar as cenas tecnicamente complexas, levando em conta suas limitações devido à tecnologia das câmeras na época, como por exemplo, criar uma câmera móvel ao filmar do topo de uma caçamba de caminhão. (Stallforth, 2013, p.8)

Em 1923, Eastman Kodak foi a primeira companhia a produzir rolos de filme 16mm, que era muito mais baratos que os de 35mm convencionais. A partir disso, companhias como a Bolex produziram câmaras amadoras com o novo formato, que eram muito mais leves que as 35mm normalmente utilizadas. Posteriormente o sistema foi aperfeiçoado pela Arnold & Richter Cine Teknik, conhecida como ARRI hoje em dia, para que estas câmeras fossem usadas na Segunda Guerra Mundial para fotografias aéreas. (Stallforth, 2012, p. 9) Foi com esta nova tecnologia que Jean Rouch conseguiu desenvolver o Cinema Verité, com base no conceito de Cinema Direto, do diretor canadense Michel Brault.[6]

Ao explorar as mudanças tecnológicas que permitiram dar mais movimento à câmera em seus filmes, Rouch desenvolveu um fascínio pela intimidade corporal e o efeito creativo que a câmera exercia sobre sua consciência, ao ponto de eleger este processo de filmar como modo privilegiado do fazer etnográfico. “With a ciné-eye and a ciné-ear, I am a ciné-Rouch in a state of ciné-trance in the process of ciné-filming. So that is the joy of filming, the ciné-pleasure.” (Rouch, 2003, p.150) Assim, Rouch institui as bases fenomenológicas de sua subjetividade dentro do processo de operar uma câmera e as diversas formas de se relacionar que este processo lhe permitiu. “Leading or following a dancer, priest, or craftsman, he is no longer himself, but a mechanical eye accompanied by an electronic ear. It is this strange state of transformation that takes place in the filmmaker that I have called, analogously to possession phenomena, “ciné-trance.” (Rouch, 2003 , 39)

Inspirado em Rouch, surge o trabalho pedagógico de Herb Di Gioia (Grimshaw, 2006), que ensinava seus estudantes de antropologia visual a se atentarem aos aspectos físicos e relacionais do encontro filmográfico como uma forma de coreografia complexa dos sentidos e da consciência (Grimshaw & Ravets, 2009, p. 542). Era central na concepção de cinema observacional de Di Gioia a operação da câmera, usando o corpo e se movendo em sincronia com seus atores, pois esta técnica envolvia uma intensa operação sensorial de aprendizado, desenvolvimento e consciência sobre outras formas de comunicação não-verbais e corporais estabelecidas dentro desta relação com os atores. Assim, “to attend to the world observationally meant to shift attention towards one’s body and to move with and around one’s subjects, allowing one’s body in action or repose to become part of filmic space.” (Grimshaw & Ravetz, 2009, p. 542). Desta forma, os cineastas eram convidados a abandonar scripts e confiar em seu conhecimento corporal e seus sentidos para conduzir improvisadamente a produção do filme.

Um processo, três corpos, uma imagem.

Se a câmera possui este poder de transformar o seu operador, trazendo novos modos de percepção e intencionalidade, ela consequentemente transforma os tipos de relação entre o cineasta e as pessoas sendo filmadas. Logo, o filme funciona como o registro imagético desta relação, onde câmera afeta cameraman, que afeta o sujeito ou o processo a ser filmado, que novamente afeta a câmera e o cameraman, numa infindável dança cuja coreografia é criada espontaneamente. Rouch reconhece que durante as filmagens de Tourou et Bitti: Les Tambours d'Avant (1971), ao tentar sem sucesso filmar um ritual de possessão, após dias esperando pela possessão dos espíritos, decidiu filmar os tocadores de tambor que os espíritos finalmente se dispuseram a incorporar no terreiro (Russel, 1999, p. 220). Rouch assim entende que esta relação em si é privilegiada como um modo de engajamento etnográfico. “In the area of ethnographic film, this technique seems to me to be particurlarly useful because it allows the cameraman to adapt itself to the action as a function of space, to generate reality rather than leave it simply to unfold before the viewer” (Rouch, 2003, pp. 38).

Claudine de France, cineasta e teórica da antropologia visual, seguindo a tradição de estudar de Mauss e Leroi Gouhan, cria uma metodologia de estudos que reconhece o grande potencial do filme etnográfico como ferramenta para o estudo das formas de ação e técnicas corporais, pois na cinematografia, ao contrário da escrita, é possível subverter os critérios que a associação mental separa dos elementos envolvidos em uma ato técnico, por exemplo: separar em partes a anatomia de um corpo que segura uma bengala enquanto anda na rua. No cinema, ou na imagem em movimento, é possível romper com estes limites conceituais entre mão e bengala, ou corpo e o chão e se ater ao processo, ao “ (…) continuum spatial d' agents humains et materiels” (France 1983: 166).

Isso permite, segundo De France, perceber que um filme, no que tange a produção da fotografia, não é somente a captação de imagens produzidas por ações de atores, mas – o que este artigo pretende demonstrar – um registro de um encontro entre as ações e técnicas corporais da pessoa que filma com a dos atores que atuam, mostrando assim que a separação entre estas duas performances é, acima de tudo, puramente conceitual (France, 2012 e Sautchuck, 2012). A partir do conceito de Profilmie, De France reconhece que um filme é o registro do encontro de dois sistemas de técnicas que se tornam um, pois os termos desta relação se afetam intimamente.

Manière plus ou moins consciente dont les personnes filmées se mettent en scène, elles-mêmes et leur milieu, pour le cinéaste ou en raison de la présence de la caméra. Fiction inhérente à tout film documentaire, qui revêt des formes plus ou moins aiguës et décelables. Notion empruntée à Etienne Souriau (1953) mais qui, étendue au film documentaire, concerne non seulement les éléments du milieu intentionnellement choisis et disposés par le réalisateur en vue du film, mais aussi toute forme spontanée de comportement ou d’auto-mise en scène suscitée, chez les personnes filmées, par la présence de la caméra.
(De France, 1989, p. 373)

Pretendo ilustrar, através de um exemplo etnográfico, como que um cineasta utiliza a relação com sua câmera para criar situações de profilmie, cuja finalidade não é diretamente o registro de imagens, mas sim poder garantir o acesso a espaços e resguardar a integridade física do filmmaker e de seu equipamento. Para tal, utilizarei a experiência de um operador de câmera durante a filmagem de um documentário em situações de risco pessoal. Neste processo, ele desenvolveu instintivamente técnicas corporais específicas e intimamente inspiradas pelo uso de sua câmera, as quais mediaram sua segurança em situações perigosas perante possíveis agressores.

Vlad Petri é atualmente considerado como um dos expoentes do novo cinema romeno (Brooks, 2014) e foi meu grande parceiro nesta etnografia, pois foi o colaborador que conseguiu exercer melhor uma meta-cognição sobre os processos técnicos envolvidos no ato de operar sua câmera. Seu trabalho de maior prestígio se chama Bucuresti, Unde Esti (2014)[7], um filme sobre os protestos em 2012 em Bucareste, em resposta à implementação do modelo neoliberal no sistema de saúde que pretendia cortar verbas públicas para privatizar hospitais e consequentemente desregulamentar os planos de saúde privados. Estas medidas mobilizaram uma onda de protestos no país, que de tão violentos causaram a renúncia do Primeiro-Ministro Emil Boc e a demissão do general comandante da tropa de choque romena – ou Jandarmeria – por abuso da violência e da autoridade policial.

No decorrer do processo de confecção da etnografia, ao analisar o seu filme usando como aporte teórico os autores acima citados, as imagens deixaram de criar o efeito de imersão no tempo e no espaço diegético e a construção da narrativa (ou não-narrativa) dos personagens. Elas se transformaram em uma espécie de registro geográfico do wayfaring[8] de Vlad e sua Canon no espaço, algo como uma cartografia dos processos técnicos engajados[9] e como as pessoas e o ambiente vão respondendo ao processo e o modificando sucessivamente. Assim as imagens são um vestígio das linhas tracejadas pelo movimento desta entidade, que podemos considerar como um cyborg,[10] pelo espaço e cuja presença em conjunto com a dos atores e os eventos filmados é o que Macdougall chama de resíduo na imagem (2005, p. 26) Pensando neste resíduo-registro na imagem, gostaria assim de propor um pequeno exercício: Peço aos leitores que imaginem esta cena como se fossem com eles mesmos, segurando a câmera ao registrar um filme.

É noite. O caos é generalizado. Rojões explodindo no chão, muita fumaça. No ar, ecoa o rugido estrondoso de uma multidão enfurecida, rugido este que embala os movimentos bruscamente sincronizados da tropa de choque, que se organizam em fileiras para conter os manifestantes. O som das botas no asfalto é o mesmo de cascos de cavalos, entremeados com os urros e gritos dos policiais que fazem um esforço descomunal para conter massa de corpos com seus escudos e liberar o acesso da rua. Corpos se chocam entre arremessos de paus, pedras, bombas de diversos efeitos e balas de borracha. Correria. A câmera treme muito em suas mãos, você não para de se movimentar no meio da loucura, mas precisa continuar a filmar. De repente, você consegue furar o cordão de isolamento e percebe que há um policial ferido no chão, a uns 100 metros. Mais correria. Você chega perto dele. A lente foca nos olhos do policial, que expressam pavor, mirando confuso a mancha vermelha em seu próprio peito, enquanto é arrastado por dois colegas. Com nariz vertendo profusamente sangue, sem forças em suas pernas, é carregado por um caminho perfilado de soldados, que um por um testemunham descrentes sua própria fragilidade como opressores, enquanto bloqueiam os manifestantes que estão parados fora da rua. Nesta hora, um destes soldados que socorre o policial ferido se dá conta de que sua total desgraça está sendo filmada. A reação é óbvia, grita com todas as forças: “Pare a filmagem!” Em poucos segundos um par de mãos te agarra violentamente e o empurra para fora do cordão de isolamento. Outra mão tenta agarrar a câmera, mas você consegue rapidamente se esquivar, põe a câmera pendurada no ombro e se mete no meio do anonimato da multidão.

Foto 1 – Policial ferido sendo socorrido por colegas.

Foto 1 – Policial ferido sendo socorrido por colegas.

Fonte: Vlad Petri (2012)

A cena exemplifica bem um tipo de relação recorrente no trabalho de Vlad, a qual pretendo me debruçar com cuidado neste texto: esta perigosa simbiose com a Jendarmeria, que ora permite que ele tenha acesso aos espaços e eventos, e ora tenta violentamente reprimir o trabalho de Vlad, seja por ele ser testemunha de algum abuso de autoridade, ou seja porque ele está expondo a própria fragilidade dos policias. Estes trâmites entre Vlad e os soldados da tropa de choque são negociados em segundos, recorrendo a gestos, fintas, posicionamentos do corpo e principalmente da câmera em relação ao corpo, e estão constantemente sendo ajustados, de acordo com a sensibilidade dos atores envolvidos, assim fazendo uma alusão ao que Rouch chama de “um estranho tipo de coreografia”:

But paradoxically it is due to this equipment and this new behavior (which has nothing to do with the observable behavior of the same person when he is not filming) that the filmmaker can throw himself into a ritual, integrate himself with it, and follow it step-by-step. It is a strange kind of choreography, which, if inspired, makes the cameraman and soundman no longer invisible but participants in the ongoing event.

(Rouch, 2003,p. 99)

Pego entre o escudo e a lente

Vlad cobriu durante seis meses o percurso dos protestos. Sozinho com sua câmera, uma Canon 5D Mk II,[11] não usou tripés, apoios ou nenhum equipamento para estabilizar as imagens. Para a captação áudio usou o microfone original da câmera e as vezes um gravador Zoom H4N acoplado a câmera. Usando um estilo Run and Gun[12] de gravação, ele constantemente se colocou em situações tensas onde precisou mediar sua segurança pessoal e a integridade de seu equipamento enquanto captava as imagens, geralmente durante os conflitos entre polícia e manifestantes ou tumultos entre representantes de partidos políticos rivais.

O filme é composto de cenas de batalhas campais, brigas, discussões calorosas e muitas “correrias”, onde a imagem treme bastante e nos sentimos estar dentro da situação, já que o ângulo da câmera é sempre subjetivo.[13] Estas cenas caóticas são muito bem mescladas com alguns monólogos e diálogos dos personagens, os quais Vlad estabelece uma certa intimidade ao longo dos meses. Assim, o filme possui um ritmo interessante que explora esta tensão entre os momentos mais dramáticos, que nos trazem próximos à ação, e o contraste das cenas com diálogos, takes longos e silêncio, o qual nos distancia como observadores. Nos takes longos, Vlad por vezes explora a reação que seus personagens têm perante a câmera, ao fazerem poses estáticas aguardando o momento da fotografia. Como porém ele está gravando vídeo, as pessoas ficam suspensas, quietas, olhando para a lente, aguardando um “click” que nunca vem para poder desfazer a pose. Brincar com esta ilusão performática é uma tática que Vlad utiliza em profundidade durante as filmagens e voltarei a abordar esta relação entre o design da câmera e a resposta das pessoas mais à frente no texto.

Para produzir o documentário, Vlad precisou ter livre acesso aos protestos, os quais tinham uma a anatomia básica: um espaço dentro da zona urbana com pelo menos dois grupos, que podem ou não ser antagônicos – os manifestantes e os policiais. Os policiais a princípio, promovem a segurança das pessoas, do patrimônio público e privado e garantem que a ordem pública e o funcionamento dos serviços públicos não sejam interrompidos pelos protestos. Eles também resguardam a liberdade de imprensa, permitindo que indivíduos cubram os eventos e divulguem as imagens. Já os manifestantes teoricamente possuem o direito de se manifestar, desde que respeitando as leis. Caso o curso dos protestos se torne violento e a polícia reprima os manifestantes, se dispõem assim no espaço os dois grupos antagônicos, geralmente um de frente para o outro, no que caracteriza uma típica situação de confronto entre as partes.

Foto 2 – Conflito entre manifestantes e a Gendarmeria na Piaţa Universităţii.

Foto 2 – Conflito entre manifestantes e a Gendarmeria na <em>Piaţa Universităţii.

Fonte: Ovidiu Micsik (2012)

A foto anterior foi tirada usando um enquadramento das costas dos policiais, registrando os manifestantes pela frente. Para tal o fotógrafo precisou estar no que chamarei de zona de segurança ou lado de dentro, logo atrás dos policiais. Esta zona é criada durante a situação de embate, quando se posicionam em lados opostos a massa de manifestantes e a primeira fileira de soldados do batalhão de choque, separados por um espaço de intervalo. Geralmente munidos de escudos e cacetetes, os policiais se movem de maneira organizada e calculada, empurrando os manifestantes para trás, assim também deslocando a zona de intervalo e criando um outro espaço atrás da fileira policial, que se torna uma área “segura”.

Figura 3 – Enquadramento das costas dos policias, se posicionando dentro do espaço do “lado de dentro”

Figura 3 – Enquadramento das costas dos policias, se posicionando dentro do espaço do “lado de dentro”

Fonte: Vlad Petri (2013)

Do lado de dentro se encontram tanto os reforços policiais, viaturas, ônibus e caminhões que funcionam como prisões temporárias para os desafortunados que caem sob o jugo dos Jandarmes, assim como ambulâncias e paramédicos para atender os feridos. É geralmente nesta retaguarda que ficam as equipes de jornalismo, fotógrafos e operadores de câmeras, desde que previamente autorizados pela polícia para cobrir os eventos. Quem transita com uma câmera neste espaço necessita de uma autorização, geralmente um crachá, que é verificado pela polícia e, caso falhem em produzir esta identificação, são escoltados para fora da zona “segura”. Porém, neste caso específico, a polícia também cumpriu o papel de reprimir violentamente os protestos, por muitas vezes ilegalmente, abusando da violência e da autoridade policial. Assim, a liberdade de imprensa se torna um perigo à corporação policial, que precisa usar o anonimato para que não sofram consequências legais.

A probabilidade das situações de brutalidade policial acontecerem no meio do caos, entre os manifestantes é muito maior que do lado de dentro – afinal, a zona segura já é “segura” já está controlada pelos policias e com a ordem estabelecida. Assim, é no lado de fora que ocorre grande parte dos eventos que, se registrados em vídeo, repercutem negativamente para os policiais. Nestes momentos onde a violência policial é exagerada e ilegal (o que requer o anonimato dos envolvidos), a presença de uma câmera é muitas vezes suficiente para intimidar os perpetradores e assim tanto frear o abuso e salvar a vítima como atrair a ira dos policiais, que podem agredir o fotógrafo, confiscar ou destruir sua câmera.[14] Assim, um fotógrafo ou video-maker precisa constantemente avaliar sua segurança pessoal e de seu equipamento caso deseje registrar esses momentos mais agressivos, o que torna a situação complexa, pois a mesma polícia que teoricamente protege e garante a segurança e o direito de filmagem de Vlad, pode, em um instante, mudar de disposição e perseguir, bater, prender e confiscar sua câmera. Por isso Vlad foi muitas vezes perseguido pela polícia, ora por ser confundido com um manifestante, ora por ser testemunha dos abusos policias. Para poder ter acesso ao lado de dentro, mas também evadir a polícia do lado de fora ao documentar estes instantes de violência policial, ele desenvolveu certas estratégias corporais que garantiram sua aproximação e fuga do local com segurança.

Estas estratégias envolveram em sua grande parte um engodo: explorar qual design de câmera comunica-se com as pessoas como sendo exclusivamente fotográfica, assim como o conjunto de movimentos, gestos e técnicas corporais envolvidos no processo de se tirar uma imagem fotográfica. Porém, como Vlad gravava vídeo, que são imagens em movimento, ele utilizava um outro conjunto de técnicas e posições corporais, reconhecidos como pertencentes ao processo de filmar. Quando necessitava evadir a atenção da polícia, ele explorava o conjunto de técnicas corporais relacionadas à fotografia e posicionava a câmera em relação ao seu corpo de forma que comunicasse aos policiais que ele não estava tirando uma foto, apesar de furtivamente continuar registrando em vídeo. Em contrapartida, quando Vlad necessitava de ter acesso ao “lado de dentro” do cordão de isolamento policial, para, por exemplo, explorar o enquadramento das costas da tropa de choque e filmar os manifestantes, ele utilizava o conjunto de técnicas corporais engajados no processo de se gravar continuamente vídeo, assim como a posição da câmera em relação ao corpo.

Foto 4 – Vlad e sua Canon ocupando o local privilegiado às costas dos policiais. Câmera para baixo.

Foto 4 – Vlad e sua Canon ocupando o local privilegiado às costas dos policiais. Câmera para baixo.

Fonte: Vlad Petri (2012)

Nesta avaliação subjetiva e instintiva, Vlad precisava perceber se foi notado pelos policiais enquanto filmava e qual era a reação destes, para assim ir ajustando a forma como continuaria filmando e consequentemente as técnicas corporais envolvidas. Para tal, foi necessário estabelecer um conjunto de técnicas as quais ele observou que suscitava reações específicas dos Jandarmes e gradativamente aperfeiçoar em suas minúcias estas técnicas corporais para conduzir a reação dos policias a cada um de seus gestos, o que foi feito instintivamente durante o curso das filmagens, explorando os tipos de mediação possíveis neste acoplamento técnico. E tanto o corpo do operador de câmera quanto o design da câmera possuem relevância nesta operação. Por exemplo, os modelos de câmera robustos, que se apoiam nos ombros, parecidos com as Beta-cam[15] de emissoras de TV permitem acoplamentos com uma amplitude de ação distintas de câmeras de vídeo menores, “portáteis”, que podem ser estabilizadas somente com as mãos. Seguindo esta lógica, um modelo de câmera, que é anatomicamente considerado por excelência como fotográfico, permite uma amplitude de ação ainda mais distinta e especializada. O acoplamento irá explorar as técnicas que ambas anatomias potencialmente podem abrigar quando for necessário para o processo de filmagem que a câmera se localize em uma posição específica do corpo, pois cada posição media uma certa controvérsia.

Em nosso caso específico, Vlad explora a ilusão de que geralmente uma câmera fotográfica somente está sendo operada se seu visor quando está na altura dos olhos do operante. Assim, ao portar sua Canon na altura do peito, no meio da confusão, ele evitava represálias da polícia, mas continuava registrando imagens. Caso esta posição dissimulada não fosse suficiente para desarmar a situação, Vlad simplesmente saia correndo enquanto registrava as imagens ou, como opção derradeira, pendurava a câmera pela alça em seu ombro e se mesclava em um aglomerado de pessoas, assim evadindo a perseguição e despistando os policiais. A operação de posicionar a câmera apontada para baixo, assim desarmando a situação de risco, para depois, em segurança, se reposicionar e retornar a gravar os eventos, pode ser feita em questões de segundos, sem precisar desligar a câmera.

A partir da experiência de Vlad, me foi possível apreender esta dimensão relacional da operação de câmera e a forma como gestos corporais são utilizados instintivamente como meio de comunicação, assim transcendendo o potencial de ação do corpo anatômico. Para Vlad, a câmera faz parte fundamental de sua forma de pensar quando está no meio da ação. “Filmar é um processo onde a imagem entra pela lente, depois pelos meus dois olhos e finalmente chega em meu cérebro. É por isso que mantenho a câmera sempre colada em meu corpo.” (Karim, 2014) Essa necessidade física de se incorporar à câmera pode possuir uma motivação tautológica, porém convém frisar: é justamente a câmera a transformadora de seu corpo, que assim a pode mediar as controvérsias que surgem durante o processo de filmagem. É a câmera que ordena as potencialidades de ação dentro do projeto de produção do documentário, afinal, sem sua câmera, ele não pode filmar e assim não tem o acesso privilegiado às pessoas e situações.

Existem outros exemplos dessa instrumentalização da profilmie como estratégias relacionais na literatura antropológica, notavelmente no trabalho de Terence Turner com os cineastas Kayapó, os quais com seus corpos pintados operavam câmeras registrando momentos tensos de negociação política e acabaram chamando a atenção da mídia “branca”, pois “(...) the act of shooting with a video camera can become an even more important mediator of their relations with the dominant Western culture than the video document itself.” (Tuner, 1992, p. 7). Esta dinâmica foi observada por Turner quando ele testemunhou uma demonstração massiva dos Kayapó contra o governo brasileiro, onde os cineastas indígenas memorizaram o público. “The success of this ploy is attested by the number of pictures of Kayapo pointing video cameras that have appeared in the international press. The Kayapo, in short, quickly made the transition from seeing video as a means of recording events to seeing it as an event to be recorded.” (Tuner, 1992, p. 7). Assim, chamando atenção à produção de imagens como processo, em vez de produtos, a operação de câmera pode se portar como um meio potente de se construir engajamento etnográfico. Talvez assim seja possível chamar atenção às potencialidades que a operação de câmera pode trazer como processo corporificado, ao analisar nossos próprios gestos e técnicas corporais e as relações mobilizadas por estes.




Referências

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[1] Tinderlove (2014) foi gravado em Vienna.

[2] Ângulo de câmera onde se filma de uma posição inferior (no meu caso, do chão), apontando a câmera para cima.

[3] Produções cinematográficas básicas de baixo orçamento que utiliza locações públicas ou privadas sem autorização, assim beirando a ilegalidade. (Gerrasio, 2013)

[4] Tão cara minha câmera, é sentimentalmente chamada de Fido e me refiro a “ela” como uma pessoa. Isso não é incomum nos acoplamentos técnicos entre corpo e artefato.

[5] As escolas e faculdades de cinema e fotografia estão aí para nos mostrar que existe um corpo extenso de conhecimento sobre a arte de utilizar uma câmera e produzir imagens.

[6] Il faut le dire, tout ce que nous avons fait en France dans le domaine du cinéma-vérité vient de l'ONF (Canada). C'est Brault qui a apporté une technique nouvelle de tournage que nous ne connaissions pas et que nous copions tous depuis. D'ailleurs, vraiment, on a la "brauchite", ça, c'est sûr; même les gens qui considèrent que Brault est un emmerdeur ou qui étaient jaloux sont forcés de le reconnaître. (Rouch, 1963)

[7] Em inglês se chama Where are you, Bucharest? (2014) Não há versão traduzida para o português.

[8] Conceito muito interessante de Ingold (2011) que define um modo rizomático (pensando Deleuze) de se percorrer a vida. No wayfaring o objetivo não é traçar um percurso de A até B. O movimento em si é um modo de vida, vagando, de evento a evento, numa jornada contínua e infindável.

[9] Grimshaw & Ravetz (2009) também reconhecem a relevância do processo de educação da atenção e skillment durante a pesquisa de campo e a produção de cinema observacional, porém não se aprofundam na relação entre fazer vídeo e o corpo, mas na análise das imagens. Para uma discussão mais aprofundada sobre a noção de educação da atenção e dos sentidos, ver Ingold (2000) e Grasseni (2007)

[10] Aqui parto do sentido de uma entidade onde a pele é uma fronteira conceitual do corpo, assim podendo se agregar artefatos técnicos e admitir a existência de uma anatomia corporal híbrida, como proposto nas ciências sociais por Donna Haraway (1985), e desenvolvido por (Latour, 1994, 2008, 2009). No vídeo-arte a questão do híbridismo e pós-humanismo também foram abordadas por Bill Viola (1995). Um estudo profundo das relações humano-artefatos sob o arcabouço das teorias cyborg pos-humanistas foi feito por Pereira (2013) em sua bela tese de doutoramento.

[11] Uma câmera fotográfica profissional DSLR (Digital Single Lens Reflex) que também grava vídeo.

[12] Jargão usado por documentaristas para descrever produções filmográficas que não usam uma equipe, sem muito tempo para filmar, onde o câmera precisa correr

[13] Ou Point Of View (POV) em inglês.

[14] Uma pesquisa em 2012 na cidade de Rialto, Califórnia demonstrou que houve uma queda de 59% nas ocorrências de violência policial após a implementação de câmeras corporais nos uniformes dos oficiais de polícia, o que reforça os indícios que há uma forte relação entre as consequências do registro de imagens e a suposta quebra do anonimato durante a conduta policial. (Barak et al,2014)

[15] Câmeras enormes e pesadíssimas, apoiadas no ombro e cujo o movimento é bem desengonçado para uma situação de rua como a dos protestos.